Em Itatiaia, na casa de campo de um amigo, gravei um depoimento para o canal “Acontece nos Livros” (do Youtube), de Whisner Fraga. Minha conversinha fiada e a leitura de uns poemas enfrentaram a concorrência de passarinhos e galinhas, em particular do galo e sua barulhenta forma de querer se impor como dono do terreiro. Seja como for, a trilha sonora aviária foi um simpático complemento a meu pequeno testemunho.
Quando o vídeo foi a público, além de estar longe daquele paraíso, eu adiava minha volta à rua, esperando que a mais nova onda da pandemia regredisse. É um sem-fim essa tormenta. Mais eis que um passarinho começou a piar aqui nas redondezas da verdadeira floresta de pedra que é Botafogo. Não é raro que algum cante. Às vezes, no início da manhã, um grupo de maritacas — com destino ao Aterro, onde promove verdadeiros encontros, com debate, degustação de sementes e voos coreográficos — passa apressado e ruidoso diante da janela do meu quarto. Que liberdade gozam os não molestados pelo vírus. É comum ouvir também o trinado de um bem-te-vi. Digo um bem-te-vi, pois, apesar de nunca o ter visto, sua voz não me engana. Bem, se é único, melhor nomeá-lo. Te batizo, em nome de ninguém, deus ou mortal, de Pafúncio.
A Bia percebeu logo que o tal passarinho não era nem uma das maritacas nem o Pafúncio, e aquele mavioso gorjeio, ininterrupto, não demorou a nos chatear. Esse bichinho não voava, não se juntava aos seus em tertúlias sob árvores? O porteiro esclareceu o mistério: um dos apartamentos havia sido alugado por temporada — pequena, ele garantiu —, e o locatário tinha um trinca-ferro engaiolado. Ó, meu Deus, como é melancólico (e maçante) o pio de pássaros presos.
Uma escritora andou desabafando no Facebook: está cansada do confinamento. Quem não está? Se cantássemos, agora que estamos encarcerados por um vírus que vivia quieto nas florestas chinesas até o homem ir lá e cutucá-lo, seríamos esse trinca-ferro incansável, triste, tedioso e torturado. Ele canta? Não, lamenta.
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