Aos poucos, vou dando meus passinhos fora de casa. Ainda uso máscara e mantenho os braços prontinhos para uma nova dose da vacina contra esse vírus furibundo. Venha quando quiser, garota. Montado nessa coragem contida, fui à décima-sétima edição da Flipoços (Feira Literária de Poços de Caldas), cujo patrono foi, no aniversário de 50 anos do antológico Clube da Esquina, Milton Nascimento.
Gosto de ver os ônibus escolares desembarcarem meninos e
meninas pequenos e outros já adolescentes e acompanhar a sua movimentação.
Falam muito e se encantam com tudo. Em Poços, com um vale-livro nas mãos, eles
foram à compra. Sem me apoiar em nenhuma ciência, acho que a moçada correu para
os livros de fantasia e cards de não
sei quê. Ah, não vou reclamar de suas escolhas, exigir que prestigiem a alta
literatura, prefiro deixá-los na deles. Se são picados pelos livros, hoje leem
isso, amanhã aquilo.
Festas e feiras literárias se fortalecem com mesas pensantes,
convocações e compartilhamento de beleza. Na Flipoços, houve encontros
importantes, como aquele que reuniu os responsáveis por eventos similares
espalhados pelo Brasil. A Fli do Xingu, a de Pernambuco, a do Cerrado de Minas,
o Fórum das Letras de Ouro Preto, a (quase septuagenária) Feira do Livro de
Porto Alegre e a Bienal de Minas estavam lá na companhia de Gisele Ferreira, a
idealizadora da feira anfitriã. Levantaram como proposta criar uma espécie de
federação e, assim, ganhar força política para pressionar as várias instâncias
do Estado e se aproximar da iniciativa privada.
Na Flipoços, tive notícias do Polígono Sul-Mineiro do Livro,
esse entrelaçamento de pessoas e instituições que, naquele espaço de Minas, a
minha Minas, faz um esforço tremendo em prol da leitura. O Polígono armou mesas
para pensar a leitura e premiar leitores da região que se destacaram ao longo
do ano. Acompanho o que essa turma faz, é espetacular.
A grande estrela da feira em ano musical foi Ney Matogrosso.
Ele participou, num dia, da mesa de lançamento de sua biografia e, no outro, acompanhou
a exibição do documentário sobre sua trajetória, feito por Felipe Nepomuceno, e
respondeu a algumas manifestações da plateia. Diante de uma figura que, mais
que um ídolo, parece um farol, sobrou emoção, e muita gente não conteve as lágrimas.
Alguns, como eu, estavam assim porque esse senhor de oitenta anos carrega uma
ideia de país pela qual lutamos e que, hoje, está ameaçada. Outros tinham em
Ney a força que lhes deu ar e coragem. Um homem, no meio do caminho entre a
juventude e a velhice, pediu a palavra. Não queria dizer nada, apenas que Ney o
autorizasse a se aproximar (de máscara, porque Ney anda de máscara) do palco e
beijar sua mão. Naquele beijo, de um, o beijo de todos.
Em feiras e festas, os bastidores são tão importantes quanto
os eventos. Na secretaria, onde tomávamos um bom expresso e beliscávamos um
delicioso docinho de leite, trocávamos ideias e livros, firmávamos amizades,
prometíamos encontros. Não há como não registrar como as responsáveis (equipe
feminina, o que é digno de registro) pela organização do evento nos acolhiam de
forma eficiente e amorosa. Coisas de Minas, posso garantir.
Tive encontros com gente não ligada diretamente à feira.
Procurei o Pedro César, músico e ativista de Poços, que eu havia conhecido no ano
passado no Rio. Tomamos algumas cervejas, e ele me apresentou a outros jovens –
à Carol, por exemplo, que papeou comigo enquanto eu tomava um chope num dia e,
no outro, papeou comigo também tomando um chope – e me aproximou da esperança, esse sentimento
que nos estão sequestrando. A intermediação da mesa de que participei foi feita
pela Cacá D’Arcadia, outra jovem bem preparada e que disputa, pelo PT, uma vaga
na Assembleia de Minas.
Todos os encontros foram precedidos por um não previsto. Cheguei
à cidade às cinco da manhã, e Danilo estava na rodoviária para me levar ao
hotel. Conversador, ele logo disse que não era da cidade, havia nascido não
muito longe dali. Perguntei onde. Em Passos. Minha cidade, ora! Ele então perguntou
de que Brandão eu era, já que na terrinha há pelo menos dois ramos (meu pai era
de um, minha mãe do outro). Antes que eu respondesse, ele quis saber o nome de
minha mãe. Naquela altura, Danilo apostava em quem ela poderia ser. Quando falei
Haydée, ele disse que era filho da Dionésia. Ah, a Dionésia! Ela começou a
frequentar nossa casa para fazer as mãos e os pés de dona Haydée e, nos
feriados e férias, de não sei mais quantas mulheres. Mas Dionésia ultrapassou
essa função e ajudou minha mãe no joguinho de loteria, no pagamento dos boletos,
nisso e naquilo. Muitas vezes, fazia companhia à minha mãe, almoçava com ela,
papeava. Enfim, Dionésia doou parte de seu afeto a nossa família, e nunca
conseguiremos agradecer tamanha generosidade. Esse encontro com o Danilo e, de
quebra, com meu passado anunciava dias lindos, exatamente como foram.
4 comentários:
Eu fui bem antes da pandemia e foi muito legal. É uma linda festa e sua descrição está um show. Bjs
Que delícia, Alexandre!
Felicidade se acha é em horinhas de descuido, né? Grande mestre Rosa, grande Minas.
Beijos!
Que belos encontros Alexandre!!! Nada COMO RELEMBRAR COISAS BOAS DO PASSADO E VER QUE NO PRESENTE TAMBÉM HÁ COISAS BOAS!!!
O COMENTÁRIO ACIMA É DO VERMELHO.
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