6.11.23

Psicologia no busão

Antes de tudo, preciso falar de ônibus lotados, ou não exatamente deles, mas de uma das razões por que ficam lotados. A partir da minha experiência no Rio de Janeiro, e não só o de fevereiro e março, alô, alô, seu prefeito, aquele abraço, os ônibus lotam porque sua frequência é incompatível com o fluxo de passageiros. Mas há algo pior. Desde que alguns conhecidos abriram um sebo-livraria em Laranjeiras – a maravilhosa Casa 11 –, me desloco bastante entre meu bairro, Botafogo, e lá. Antes até de eu me mudar para a Cidade Maravilhosa, quer dizer, bem mais do que quarenta e três anos, já existia a linha circular ligando o Cosme Velho ao Leblon. Quem está em Botafogo, portanto, pode ir a Laranjeiras e voltar de lá sem problema, pois o bairro está na trajetória. Quer dizer, podia. A linha não acabou, mas cadê os ônibus? Cadê, prefeito?

Dia desses, esperei de quinze a vinte minutos pelo famigerado e, como não veio, peguei um alternativo, que nos deixa no início de Laranjeiras e nos obriga então a tomar outra condução para chegar ao interior do bairro ou caminhar. Quando se tem tempo, a segunda opção é ótima. Num momento de correria, a coisa aperta. Foi o que me aconteceu naquele dia, eu não tinha tempo, mesmo assim, desci do ônibus e, suspeitando de que esperar poderia ser uma cilada, andei até a livraria.

O que quero contar – passado o momento usuário prensa o prefeito, que por sua vez não vai se importar com nada disso – é o que me aconteceu no ônibus, este que estava lotado e tomei com pressa. Minto, não aconteceu comigo, nem posso dizer que vi, pois não vi e sim ouvi. Nessa era de podcast, os ouvidos estão bem treinados.

O ônibus levava trabalhadores de volta para casa. Me posicionei em pé já perto da porta de saída, precavido que só. Espalhadas ao meu redor, nos bancos à minha esquerda, atrás de mim, e muitas, feito eu, em pé, iam várias mulheres. Imagino que algumas trabalhem nas clínicas e em hospitais da redondeza, outras devem ser domésticas, cuidadoras, atendentes de loja. Elas conversavam alto, de um jeito informal e íntimo, próprio de quem se esbarra com frequência. Isso acontece no transporte público, sei até de festas de fim de ano dentro de ônibus. Bem, mas as mulheres falavam, falavam muito e desordenadamente (para quem não estava no assunto). De repente, contando um caso, uma voz sobressaiu às demais.

De uns tempos para cá, ela passou a ter umas tremedeiras. Foi ao médico, fez exames. Nada. Foi aconselhada a ir a uma psicóloga. Sessão marcada, presença garantida. O resultado a deixou fora do eixo. No consultório, falou com as paredes, pois a outra nem tchum. Como se não bastasse, ao final perguntou à psicóloga se lhe indicaria um remédio, e a resposta foi não. Ela era esperada na outra semana, no mesmo horário. Onde já se viu uma coisa dessas? A mulher queria ouvir seus segredos e não lhe dava nada em troca. Preferia seus tremores. O pior, no entanto, ainda viria: a “doutora” deu uma cruzada de perna digna de Sharon Stone em “Instinto Selvagem”. Puro assédio.

Antes que eu fosse em busca de minha psicologia de botequim para aplicar àquela história, a senhora já se queixava do ônibus lotado. Era um perigo, ela disse. Nisso veio uma moça pedindo licença, pois saltaria no próximo ponto. A passageira falante perguntou se ela era homem. A pergunta preconceituosa não encontrou uma resposta à altura, a moça simplesmente disse não e avançou sobre o espaço que lhe foi aberto. Quando ela desceu, a trêmula comentou que, se fosse homem, não passaria atrás dela, a menos que se virasse de costas. Acontecem muitas histórias de violência sexual em ônibus e trens lotados, eis uma verdade.

Essa passageira, na realidade, era fogosa, seu assunto principal era de cunho sexual. Suas amigas, sabendo bem disso, a provocavam. Uma lhe perguntou sobre o novinho. Ela suspirou, diminuiu um pouco a voz, um pouco mesmo, um quase nada, um faz de conta que baixava a voz, e começou a falar da gostosura do rapaz. Ele era gordinho, o que só a deixava mais encantada – não era bem essa palavra – e saudosa, apesar de ser apenas uma relação idealizada. O rapaz nem sabia de seu amor, o que não tinha importância. Ela suspirava, e isso já lhe valia uma alegria, um prazer sem fim, eu diria.

Coincidiu de descermos juntos. Eu ansioso, ela com uma expressão marota, própria de quem se alegra por ter feito as pessoas rirem. Pessoa leve, apesar de tudo. Eu poderia dizer a ela que um bom psicólogo a ajudaria com aquelas tremedeiras sem diagnóstico e, até quem sabe, a vencer a timidez e chegar junto de seu crush. Mas não disse, eu estava a um passo de me atrasar para o compromisso em Laranjeiras, que antecedia outro que me levaria de volta a Botafogo. Eu, na realidade, tremia de raiva do prefeito e de pressa, o que me fez voar e chegar a tempo aos dois.


Um comentário:

Nilma Lacerda disse...

Ônibus dão histórias, ou melhor, as pessoas dentro dos ônibus, e para um cronista de mão cheia... cheia de quê, Alexandre Brandão? Sabe-se lá, tempos dúbios. Não viu que aquela pessoa que queria passar nem disse se era homem, embora parecesse mulher?