20.11.23

Futebol e outras frivolidades

Vocês me desculpem se trato de temas amenos. Amenos, não, insignificantes. É que os dias andam difíceis, as guerras, televisionadas ou não, matam crianças sem nenhuma piedade, desrespeitando seus próprios códigos de ética. Dito isso, enfatizo: para minha saúde, caçar assuntos até frívolos é fundamental. Assim, gasto umas quatro horas – tempo estimado para escrever uma crônica – transitando nas nuvens, e você, caro leitor, cara leitora, se distrai por uns cinco minutos. Claro, isso se der tudo certo na minha escrita e na sua leitura.

Sou botafoguense, logo aliado do sofrimento. Essa pecha grudou no time e ninguém consegue desgrudá-la. Agora, por exemplo, depois de termos liderado o campeonato com até treze pontos à frente do segundo colocado, a última rodada nos deixou na vice-liderança e corremos o risco de nem ir para a chave de grupo da Libertadores. Mas meu assunto não é o Botafogo, que só está aqui para servir de mote a assuntos futebolísticos, que podem ou não ser os únicos tratados adiante. A ver: escrever é uma aventura.

A última vez que o Brasil sagrou-se campeão mundial foi em 2002. Era um bom time, com craques como Ronaldo e Ronaldinho, Rivaldo, Dunga, Taffarel, Cafu, enfim, gente cujo nome já revela um jogador de futebol. Naquela equipe, havia uns nomes mais sofisticados, Roberto Carlos, Gilberto Silva, Edmilson, apontando para uma mudança que ocorreria daí em diante. Se vamos para trás, Romário, Bebeto, Zinho, e mais atrás ainda, Jairzinho, Gérson, Tostão, Zagalo, Vavá e os deuses Pelé e Garrincha. Minha tese: o que faz o Brasil ganhar campeonato são os nomes de seus jogadores. Neymar, Ederson, Emerson Royal, Gabriel Jesus anunciam um fracasso. Melhor convocar um Tiquinho, um Tche Tche, até mesmo, por exótico, um John Kennedy ou uns caras que têm me chamado a atenção – pelo nome, sempre pelo nome –, Praxedes e Galdino. Nomes menos usuais e bons apelidos são uma indicação de que os donos daquelas pernas sabem correr, pular, passar a bola, driblar ou impedir o drible, fazer ou evitar o gol, enfim, sabem jogar o bom e velho futebol da escola brasileira.

Mal elaboro a teoria, dou o assunto futebol por esgotado. Apesar de minha descrença espiritual, estou em período de oração pelo meu time, apostando que, pelo fato de poucas vezes demandar um socorro divino, eu possa ser ouvido e atendido.

O que haverá de frívolo além do futebol? Concurso de miss? Não, disso não falo, não é assunto de meu interesse. Embora essa coisa de miss me faça lembrar de um romance lido recentemente, Pastoral Americana, de Philip Roth. Nele, Seymour Levov, o personagem central da história, é casado com uma miss. E daí? Daí nada, foi só uma lembrança. Mas já que falei do livro, tem uma coisa espetacular na literatura do Roth: a concatenação feita entre a vida miúda (a minha, a sua, a daquele Levov, o Sueco, como é chamado) e a política. Nisso, ou também nisso, ele é mestre.

Vejam que só de citar aquilo que me parece a coisa mais leve do mundo, o concurso de miss, aliás, evento que resiste fora da grande mídia, esbarrei na literatura. E literatura não é nada frívola. Até os textos ruins ou de entretenimento não o são. A literatura é coisa séria, mesmo quando não é. Se é assim, eu deveria cortar os dois últimos parágrafos, mas me custaram um bom tempo, me afeiçoei a eles e os manterei.

O fato de a literatura nunca ser frívola não quer dizer que ela e seu entorno não tenham sua graça. Me despeço dando prova disso com um trecho de uma carta que Macedonio Fernández, escritor argentino estranhíssimo – autor, por exemplo, de “Museu do Romance da Eterna”, um livro cheio de prólogos a um romance que afinal não se escreve –, remeteu (ou não) a Borges. Encontrei “as (de maneira nenhuma) mal traçadas linhas” no site do La Nacion, com data de 11 de setembro de 2007, mas o texto traduzido estava em um post em rede social de Adaubam Pires, que afinal não sei quem é.

“Desculpe-me por não ter ido ontem à noite. Eu estava indo, mas sou tão distraído que no caminho me lembrei que havia ficado em casa. Estas constantes distrações são uma vergonha, e às vezes esqueço de me envergonhar também”.

Um comentário:

biapl disse...

Delícia, Xandão!