Depois de passar uns dias em Tiradentes, não voltei ao Rio, fui a Belo Horizonte ver familiares e amigos. Na capital mineira fiquei duas semanas e, ao contrário de outras vezes, circulei pouco, ficando mais na casa de minha madrinha e irmã, a mãedrinha. Eu e ela estávamos trabalhando e, aqui e ali, assistíamos a alguma coisa na TV.
Vimos um filme meio sessão da tarde, “Nosso amigo extraordinário”,
uma espécie de “E.T., o extraterrestre” que se desenvolve numa situação diferente
da original: em vez de aparecer para as crianças, o de agora aparece para uns
velhos que, até aquele momento, fugiam da solidão indo assiduamente a encontros
públicos demandar melhoras na cidade. Filme simples, mas bonito, com ótimos
atores: Ben Kingsley, Jane Curtin e Harriet Sansom Harris. Vimos também o Som
Brasil com o Zeca Pagodinho, tremendo artista. Ele contou que, quando vendeu um
milhão de cópias de seu primeiro disco, a vida não mudou muito porque ele andava
e continuou a andar pelas favelas, onde já era conhecido. No final dos anos
1980, eu trabalhava no pé da Mangueira e sabia – os meninos que tomavam conta
de nossos carros nos contavam – que ele passava algum tempo por ali. Imagino
que tomava umas, fazia uns sambas, enfim, era o autêntico boêmio que ainda não
deixou de ser, com a saúde de ferro de quem tinha quarenta anos menos. O danado
do Zeca Pagodinho, e é isso que interessa, canta muito, aquela voz meio
detonada faz milagre durante a interpretação de um samba.
Ainda na estadia mineira, eu e mãedrinha assistimos aos quatro
primeiros episódios de “Betinho: No fio da navalha”, direção de Lipe Binder e
Julio Andrade. Há muitas maneiras de ver a série. Betinho foi um protagonista
da história recente do Brasil e, nesse sentido, sua trajetória mostra como os vestígios
da ditadura custaram a desaparecer, ou nem desapareceram de vez, basta pensar
na anistia injusta. Refazer a vida naquele ambiente não foi nada fácil, e a criação
do Ibase mostra bem isso. Num ambiente tenso, mas também esperançoso, a AIDS
apareceu e mudou o mundo, em particular o dos hemofílicos, como Betinho e seus
irmãos, Henfil e Chico Mário. Enfim, aos que dão as costas à história, a série
é um bom chamado à realidade.
Tenho também uma leitura mais pessoal. Não fui próximo do
Betinho, mas, graças a amigos que trabalharam no Ibase, em particular Wania
Santanna e Atila Roque (personagem na série), convivi um pouco com ele. Ao lado
daquela doçura tão presente em seu olhar, havia um sujeito muito divertido, de
uma ironia até ácida. Como mostra a minissérie, Betinho gostava de música.
Graças a isso, tive a sorte de ir com ele e Atila a um show do Johnny Alf e, em
torno de uma roda de música, o recebemos em casa, naquela que dever ter sido uma
de suas últimas saídas. Na época, eu e ele não podíamos beber, então lhe ofereci
uma cerveja sem álcool. Ele não sabia daquela “novidade”, mas garantiu que a partir
daquele momento sempre teria alguma na geladeira. Por essa tímida proximidade,
a série tende a me emocionar, o que não aconteceria se não fosse o trabalho
artístico. Aí está mais um acerto: a constituição de época, o ritmo da história
e principalmente a atuação dos atores. Esse Julio Andrade é um espanto, e não o
vejo trair a memória física que guardo do Betinho – o olhar, o corpo arqueado,
os gestos das mãos, está tudo ali.
Proximidade maior tenho com a Maria Nakano, o que me faz
muito bem. Maria é o tipo de pessoa que nos abraça e acolhe em sua casa, uma
raridade neste mundo de isolamento e egoísmo. Certa vez, lancei a ideia de
fazermos um livro sobre a sua história, Maria desconversou. Penso que nisso haja
um pouco de timidez, de não querer se expor, mas também uma sabedoria, a de
que, tendo participado de um momento tão importante do país, melhor deixar sua
imagem no emaranhado do coletivo. Entendo bem, e admiro.
Apesar do recolhimento, saí
algumas vezes em Belo Horizonte. Com Ronaldo Guimarães, que acaba de lançar “O
dia em que os Beatles visitaram Belo Horizonte” (Editora Lê), fui a um bar em Santa
Efigênia, no mesmo dia em que tomei umas cervejas com o Celso Faria. Sérgio Fantini,
mais uma vez, me recebeu em sua casa. Dessa vez, foram também Ádlei Carvalho
(que está lançando “Céu de luz Marina” pela Editora Patuá), Aloísio Sá, o Lelu,
e Tadeu Sarmento, que arrumava as malas para ir ao Rio de Janeiro receber, por “Meu
amigo Pedro” (Abacatte Editoria), o prêmio Biblioteca Nacional, na categoria Literatura
Juvenil. Na livraria Quixote, um monte de amigos se reuniu para ouvir, entre
outros, Caio Junqueira Maciel e Adriane Garcia falarem de seus livros da coleção
“BH, a cidade de cada um”. Depois da conversa, fomos eu e Fantini à casa do
Caio. O Vasco conseguiu ficar na primeira divisão, o que deixou o anfitrião
feliz demais. Já eu, botafoguense, amarrei outra decepção, o time, para jogar a
Libertadores, terá de disputar uma etapa anterior. Tive ainda um dia esplêndido
na casa do poeta e conterrâneo Antonio Barreto e de Graça Sette, amiga que é
uma usina de fazer pensar. Na festa de meu cunhado, eu e meus três irmãos nos
juntamos depois de uns cinco anos. Ah, sim, fiz umas estripulias com meus
sobrinhos Cristiano e Conrado e com o primo Lucas. E o melhor de tudo: vi meu
querido Apollo, que nasceu meu sobrinho-neto e agora é meu neto.
Um comentário:
Pela crônica, acho que Minas continua. É um bom alimento, sem dúvida.
Até a volta, Xande.
Boas festas!
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