25.2.24

O perrengue da comunicação

 


Quando eu disser a vocês o que tenho a dizer, vocês me dirão – É isso o que tem a nos dizer? E eu direi – O que vocês queriam que eu dissesse?

Eu disse, ela disse — Repete. Eu repeti, ela repetiu – Repete. Eu repeti, ela repetiu – Repete. Eu repeti, ela disse – Você não se cansa?

A mãe perguntou ao filho se estava entendido. Ele disse que sim, só não entendeu exatamente o que deveria ser entendido. A mãe então concluiu – Ok, estamos entendidos.

Ele me pediu um minuto. Pegou um papel, fez um desenho. Era uma cena chocante, um monstro engolia uma pessoa pela cabeça. Eu ainda me perdia nos detalhes da gravura, e ele já me perguntava se, vendo e não ouvindo, tudo se esclarecera. Eu respondi – Bem, o desenho tem problema de perspectiva.

Quando ela começava a se despir, ele disse – Espera. Ela ficou estática. Ele não disse mais nada. Ela continua lá.

Do nada, ela diz – As árvores trocam mensagens umas com as outras. Eu pergunto – E daí? Ela responde – Daí que o desentendimento é maior do que imaginamos.

Ouvir, ouvi, mas ouvir é pouco.

O palestrante perguntou – Alguém? Eu levantei o dedo. Ele nem deixou eu me ajeitar direito na cadeira – E então? Eu respondi – Concordo. Ele se surpreendeu – Com o quê? Escandi as palavras – Com o que o senhor não disse.

O prefeito mudou o nome da rua. Todas as cartas endereçadas a ela foram parar numa rua homônima em outra cidade. As pessoas que as receberam abriram, leram e responderam uma a uma. Assim, aceitaram o convite para um date, o pedido de perdão, mas, num caso, o falso destinatário reclamou – Alguma coisa deve estar errada, o aluguel está em dia, o IPTU é que ainda não deu pra pagar. Não parou aí – E não me chamo Raimundo, Perivaldo é meu nome.

A professora pediu a atenção de todos – De todos. Começou então a falar de forma automática o discurso de começo de ano. Os alunos se distraíram em surdina. Quer dizer, Luisinha não, ela estava tão atenta que caiu no choro quando a professora disse que não eram dela aquelas palavras.

Discreto é o suspiro, no entanto é sempre bem entendido.

Tiramos a palavra na sorte. Fiquei pensando o que fazer com a minha. Enfim, decidi ficar calado, com o olhar de quem acompanha um voo de pernilongo.

Na voz miúda, dizem que a guerra foi perdida quando o comandante ordenou que atirasse a primeira pedra aquele que não sofreu por amor.

Bateu à porta da casa da namorada. Nada. Bateu de novo. Nada. Mais uma vez. Nada. A namorada, ao lado, não sabia o que fazer.

Ela deu um sonoro não ao pedido de casamento. O rapaz, assustado, mas célere, buscou uma saída – Esquece o casamento, vamos tomar um sorvete. Ela respondeu – Uma coisa dessas só faço depois de casada. E completou – Você tem uma bicicleta?

Depois de ler o jornal de cabo a rabo, a garota levantou-se e foi à cozinha. Lá encontrou a cozinheira. Elas se olharam, se olharam e mais uma vez se olharam. A garota saiu de lá certa de que o jornal jamais olharia para ela e a cozinheira. Jornal gosta é de distâncias.

Esse negócio de beijar na boca de olhos fechados tem deixado muita gente a ver navios.

Achou muita graça ter ganhado o prêmio de quem menos entendia piadas.

Escrevi muitos livros, compus músicas mil, pintei quadros a valer, pena que sempre estivesse dormindo.

Com a casa vazia, o rapaz anunciou – De agora em diante, falarei o que me der na telha. Gotejou então duas ou três ideias que as paredes, caso tivessem ouvido, o teriam tampado.

Eu queria dizer a vocês, mas vocês não me entenderiam. Então não digo. Será que vocês me entendem?


3 comentários:

Marilena Moraes disse...

Eu me lembrei do meu dentista,que me dizia para abrir os olhos durante o tratamento, doía menos. Vc não beija de olho fechado? Pra sentir mais!

marilena moraes

No Osso disse...

Dentista sabichão.

Mumu Barbosa disse...

entender é superestimado