O que transformou aquele dia comunzinho foi o fato de ter ido ao cinema com um casal de amigos ou mais que amigos — somos benditos pelos astros e nascidos os três num 17 de novembro, ele o mais velho, ela a mais nova. Fomos ver “Como nossos pais”, dirigido por Laís Bodanzky, filme que está dando o que falar.
Entre os mais próximos, só ouvi elogios: amigas mostrando-se identificadas com as mulheres do filme, quase todos elogiando a atuação esplendorosa de Clarice Abujamra e Maria Ribeiro, atrizes que interpretam mãe (Clarice) e filha (Rosa). De pessoas distantes escutei alguns senões. No site do Instituto Moreira Sales, José Geraldo Couto pontua que o filme tem muito de defesa de uma tese, no caso o papel da mulher nos dias de hoje, dando pouco espaço a enquadramentos e outras sutilezas da arte cinematográfica. Uma escritora que acompanho no Facebook achou que as questões diziam respeito à mulher do século XIX, um tanto quanto ultrapassadas, portanto. Bial, em seu programa de televisão, tachou o personagem do marido de Rosa (Paulo Vilhena) como meio banana. Na reação irônica da Maria Ribeiro, os homens são sempre e de fato uns bananas.
O argumento do crítico me parece interessante, o da escritora, nem tanto, uma vez que as mulheres com quem tenho conversado se identificam profundamente com as dores de Rosa e/ou com as de Clarice. De minha parte, acho — com o que meu companheiro de sessão concordou — o personagem masculino, além de banana, bem caricato. Para minha mulher, na realidade, os homens não estão acostumados a desempenhar um papel secundário, por isso o incômodo. Faz sentido.
Terminada a sessão, lá fomos eu e o casal tomar um chope. Não sei se senti falta da minha mulher naquela hora ou se agradeci o fato de ela ter visto o filme antes e não estar ali conosco. Não há como casais saírem do filme e não promoverem uma pequena DR. Pois bem, eu estive ali entre o casal e, sim, as diferenças entre homens e mulheres sobre os papéis de cada um no dia a dia da família vieram à tona. Claro, nada foi desestabilizador, meus amigos se amam, e nós três temos intimidade até para alguma confissão. De todo modo, os três litros de chope transformaram tudo num momento de confraternização e, por que não?, de troça contra a vida muito séria. Certa hora, ao voltar do banheiro, escutei o resto de frase que ele dirigia a ela: “vocês são impenetráveis.” Sem saber o contexto, me espantei e reagi: “como assim?” O garçom, ali na lida de encher os copos, talvez testemunha de uma conversa maior, não se aguentou e riu. Rimos. Rir fora de hora não tem preço, assegura nosso cartão de afeto.
Encaminhávamos para o final da noite quando aquela jovem apareceu. Veio pelo meio do bar já falando conosco, que não a conhecíamos. Ela nos disse que estava usando uma calça difícil de tirar, feita para dificultar a vida de um possível estuprador e, naquele momento de ir ao banheiro, pagava o preço. Depois de alguma troca de palavras engraçadas entre nós e ela, a moça foi e voltou do banheiro. A calça era mesmo tão complicada que minha amiga teve de ajudá-la a dar o nó naquela espécie de cinto que passava aqui, ali e lá. Não sei o que meus amigos pensam a respeito, mas a jovem era dona de uma nova palavra. Seus dramas podem ou não ser os de Rosa e Clarice, mas ela parecia querer nos dar conta de que há outras mulheres no caldeirão dos dias atuais, aquelas que, apesar das dificuldades — como a de lidar com a realidade ameaçadora de um estupro —, vivem com pés e mãos no futuro.
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