Com uma das mãos no bolso, coça a perna
e respira fundo. A tristeza não mede esforços para se apoderar de seus
sentimentos, homem. Ela é assim, sempre assim: dona da festa escura, da face incolor,
do sono tolo. Mas o mar está bem ali — o sol também. Crianças correm no pátio
das escolas, e gritam, e riem, e não sabem de nada. Respire, a tristeza não
passa de uma coceira passageira.
Foto do autor. |
Você, com essa pressa toda, já pensou se
o pior for justamente chegar a tempo? Digo isso porque, das poucas coisas que
me ficaram das lições de escola, uma pode não ter sido uma lição, pelo menos não
uma formal. A professora do quarto ano primário (hoje, acho, quinto do ensino básico)
disse para a classe que “mais vale perder um minuto na vida do que a vida em um
minuto”. Autoajuda fajuta, mas... e se ela estiver certa? Contenha-se, homem,
desacelere, o relógio não passa de uma frágil prisão para o tempo.
Passo por um homem que ri
desbragadamente. Contagiado, sigo em frente rindo desbragadamente. Esbarro num
jovem que me olha e, em vez de rir, veste a cara do espanto.
Encostado no poste, o rapaz de camisa
estampada e cabelo grande preso num lenço observa os meninos que correm pelas
ruas, todos com uma garrafa de plástico cujo conteúdo aspiram. O jovem — não
parece rico, talvez goste de samba e toque bem tocado o tamborim, pode estar no
centro para encontrar o pai, a mãe, quem sabe para comprar o material escolar —,
bem, ele ao olhar os meninos loucos de solvente, começa a pensar em como tudo
isso é triste. O que ele vai fazer com essa constatação ninguém sabe, é
possível que se torne indiferente ao nosso fracasso. Mas talvez não.
O
senhor e a senhora conversam à espera da condução. Quer dizer, ele fala, fala
muito, conta de fulano que foi traído, de sicrana que está endividada, da
vizinhança que já foi sossegada e não é mais. A mulher balança a cabeça, muito
raramente deixa que lhe escape um “sim”, um “não”, um “é mesmo?”. Ele acena
para o 409 e, antes de entrar no ônibus, diz que foi um prazer conhecê-la. Ela dá
um tchauzinho contido, e ele entende que o prazer foi todo dela.
Na rua Voluntários da Pátria, há uma
leva de abandonados; são mendigos, muitos com problemas mentais. O senhor que
vive na esquina da 19 de Fevereiro varre a calçada o tempo todo. Um rapaz sobe
e desce a rua entre os carros e não se abala com buzinas, bicicletas ou
freadas. Sentado na calçada estreita e tumultuada, um terceiro pede esmola às
mesmas pessoas que obriga a andar pela rua. O que encontro aos sábados desistiu
de me pedir dinheiro, mas, educado, não deixa de me cumprimentar. Além desses,
a crise despejou pela rua viva e caótica uma verdadeira chuva de desesperados.
O catador de latinhas para diante da
sede da Maçonaria da rua do Lavradio. Contempla sem pressa a esfinge metálica
que adorna o edifício histórico. Não sei se, como é o senso comum, tenta
decifrá-la, se imagina quanto ganharia com a venda da imagem derretida ou se
espera por um inaudível grito de ferro que o console.
O senhor nem é tão velho, mas tem jeitão
de velho. Ele anda devagar e chupa um picolé. Quando leva a boca ao picolé — e
não o picolé à boca, fica vesgo.
O menino com o uniforme de escola
pública e seu responsável (não arrisco a dizer que é o pai, parece tão novo)
descem do ônibus. O menino diz alguma coisa, parece que externa um medo, mas
pode ser que revele a incompreensão sobre um fato qualquer. O responsável larga
a mão do garoto, se ajoelha diante dele e o abraça.
O policial bate o cassetete contra a palma
da mão, em seguida, fecha e abre os dedos sobre o bastão. Faz isso mais uma vez.
Outra. Outras tantas. O tédio usa farda.
Dois bêbados ziguezagueiam pela rua. Dois passos
pra frente, dois pro lado, pro lado de cá, pro lado de lá. Pra cá quando é pra
lá, pra lá quando é pra cá. Pra frente de novo. Pra trás. Opa, pra frente. Opa,
pro lado. De cá? De lá? Por um triz, não caem. O mais alto para e, quase
empertigado, brada: “Não disse? A terra é plana”.
5 comentários:
Sensacional. Triste. Verdadeiro. Sua ótica sensível faz tudo parecer mais tudo. Beijão.
Eu, também, gosto de observar as pessoas na rua. Principalmente quem mora nelas.
Alexandre João Antonio Brandão; Alexandre João do Rio Brandão. Meus respeitos, camaradas. Em nome de todos esses, de todos nós, obrigada.
Também gosto de olhar as pessoas na rua e imaginar como é suas vidas. Tento perceber através de seus semblantes e de seus gestos alguma pista do que vivem ou sentem. As pessoas infelizes se movem diferente das pessoas felizes.
Que olhar atento para o mundo dos Les Misérables. Espero que você não tenha ficado triste ao acabar de ver o que viu e escrever sobre elas. Nossa realidade dói. Até esbocei um sorriso em algumas partes da crônica, mas ela ainda está doendo no meu peito.
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