1.8.20

Augustinho Sentinela

Augustinho era quase adolescente quando ouviu de um amigo do pai que bom, bom mesmo, era a ditadura, tempo de foco e retidão, quando ninguém ficava se perdendo em devaneio, pensando em coisa ruim, aberto ao pecado.

O rapazola gostou de saber que na ditadura havia foco. Foi um bálsamo para suas angústias — que ele, crendo-se muito criativo e até irônico, tratava como angústias augustinas —, pois não conseguia mais viver sempre questionando tudo, inclusive determinados assuntos delicados. Delicados, sim, pois, de vez em quando, ele olhava os moços da mesma idade e até os mais velhos com um olhar carregado de suspiros. Ah, isso não, não macularia o nome da família. Que viesse a ditadura e arrastasse o mal e o pecado para longe, implorava aos céus.

Nessa época, aproximou-se de Deus, quer dizer, na sua visão, aproximar-se de Deus era primeiro fazer a catequese e depois frequentar com assiduidade a igreja. Ajudava na missa e, fora dela, cuidava para que tudo estivesse certo quando o pastor falasse a seu rebanho. Tornou-se um auxiliar do sacristão, um homem com seus 30 anos de muita energia e olhos pretos e magnéticos. Augustinho teve de combater o diabo na casa do Pai. Pelas barbas do profeta, de todos os profetas, dos apóstolos e santos, amém!

Deus era bom e clemente, mas a ditadura, pensava Augustinho, é que acabaria com os seus tormentos, terrenos todos eles. Assim, começou a pesquisar como poderia seguir a carreira militar, pois os militares é que, tendo implementado a ditadura uma vez, implementariam uma segunda. Quando ela chegasse, Augustinho, que já seria Augustão, estaria entre eles, talvez os liderasse. Abraçar a profissão, no entanto, só depois dos 18 anos; havia uma adolescência inteira pela frente.

Agarrou-se mais e mais às orações, o que não o impediu de cometer uns pequenos pecados no isolamento do banheiro e de espichar olhos para o sacristão, para o Merval, aquele bronco do sexto ano, do sétimo, do oitavo... Apesar disso, chegou aos 18 incólume, Deus misericordioso o conservou assim.

A mãe se derretia pela candura do filho. Nem se tivesse feito promessa, Deus a presentearia tão bem. O pai via no menino sinais de novos tempos, estranhos para ele, estranhos até demais, mas certamente melhores, com homens dedicados à família e menos truculentos. Enfim, tudo soava bem e melhorou ainda mais quando o casto anunciou que, servindo ao exército por conta da idade, depois seguiria carreira. Seria general e promoveria a ditadura. A mãe chorou de doce emoção. O pai aplaudiu e, não contendo a alegria, escarrou pela janela.

O exército não era muito diferente da escola, havia jovens de ambos os sexos, aulas e momentos de recreação. A diferença era o empenho físico cobrado. Augustinho, um menino franzino, aparentemente frágil, se revelou, tomou gosto pelos esportes, se destacou nos treinamentos de campo, tornou-se um atleta.

Se as tentações do pecado não lhe deixavam em paz, descobriu que sua força de vontade era maior. Via-se, no futuro, solteiro. Com mulher não se casaria e com... do resto Deus cuidaria como cuidara até então. Seu projeto de vida era acelerar a chegada da ditadura para livrar outros jovens do sofrimento por que ele passava. O mundo deixaria de produzir Augustinhos, quer dizer, não aflorariam angústias augustinas em mais ninguém.

Mas como se tornar um ditador?

Descobriu que ditador torturava. Estudou todas as torturas possíveis e achou por bem experimentar algumas no próprio corpo. De vez em quando, dava um choque embaixo da unha, ficava de cabeça para baixo dez, quinze minutos. Aprendia na pele o que aplicaria como corretivo aos inimigos e, verdade seja dita, se a intensidade do choque fosse maior ou se fosse amarrado em pau de arara, ele responderia a qualquer pergunta, até as de cunho íntimo, nomeando inclusive o que escondia de si. Nessas horas, a lembrança do amigo do pai surgia do nada só para lhe soprar novamente que bons tempos eram os da ditadura, de foco e retidão.

Augustinho virou sentinela. Muito atento aos arredores do quartel, o futuro ditador, moço inexperiente, deixou desguarnecida a retaguarda, que, sem que fosse convidado, passou a ser visitada pelo temido Capitão Expedito, apelidado em cochichos de caserna por Dito Duro. Os mesmos que apelidaram o capitão passaram a debochar de Augustinho, aquele que teria trocado, na marra, a dita pelo dito, a dura pelo duro.

Augustinho estacionou no posto de soldado raso e, não tardou muito, foi desligado do exército. Quando a mãe soube de tudo e mais um pouco, chorou de uma emoção amarga toda vida. O pai, tomado pela ira, escarrou no chão da sala e proibiu o filho de botar os pés naquela casa.

Sem família, sem Deus — que a seu ver lhe virou as costas — e tendo experimentado, do pecado, apenas a dor, Augustinho vive por aí, anda pelas ruas e planeja com seus botões, e só com eles, tornar-se mais cedo ou mais tarde um ditador.


2 comentários:

Caio disse...

gostei dessa história.
li ouvindo famosa música infantil alemã
https://www.youtube.com/watch?v=8PdAwGx7bJE

No Osso disse...

Caio, depois que você me mandou a tradução da canção (reproduzo a seguir), tive certeza que é a trilha sonora perfeita para o Augustinho.

O, você caro Augustin, Augustin, Augustin,
O, querida Augustin, tudo está perdido!

O dinheiro se foi, namorada foi embora,
tudo está perdido, Augustin!
O, você caro Augustin,
Tudo está perdido!

Brasão se foi, a equipe se foi,
Augustin encontra-se na sujeira.
O, você caro Augustin,
Tudo está perdido!

Mesmo que rica cidade de Viena,
Broke é como Augustin;
Derramar lágrimas com pensamentos afins,
Tudo está perdido!

Cada dia era uma festa,
Agora só temos a peste!
Apenas festa de um grande cadáver,
isso é o resto.

Augustin, Augustin,
Deite-se em seu túmulo!
O, você caro Augustin,
Tudo está perdido!