Augustinho era quase
adolescente quando ouviu de um amigo do pai que bom, bom mesmo, era a ditadura,
tempo de foco e retidão, quando ninguém ficava se perdendo em devaneio,
pensando em coisa ruim, aberto ao pecado.
O rapazola
gostou de saber que na ditadura havia foco. Foi um bálsamo para suas angústias —
que ele, crendo-se muito criativo e até irônico, tratava como angústias
augustinas —, pois não conseguia mais viver sempre questionando tudo, inclusive
determinados assuntos delicados. Delicados, sim, pois, de vez em quando, ele
olhava os moços da mesma idade e até os mais velhos com um olhar carregado de
suspiros. Ah, isso não, não macularia o nome da família. Que viesse a ditadura
e arrastasse o mal e o pecado para longe, implorava aos céus.
Nessa época,
aproximou-se de Deus, quer dizer, na sua visão, aproximar-se de Deus era primeiro
fazer a catequese e depois frequentar com assiduidade a igreja. Ajudava na
missa e, fora dela, cuidava para que tudo estivesse certo quando o pastor falasse
a seu rebanho. Tornou-se um auxiliar do sacristão, um homem com seus 30 anos de
muita energia e olhos pretos e magnéticos. Augustinho teve de combater o diabo
na casa do Pai. Pelas barbas do profeta, de todos os profetas, dos apóstolos e
santos, amém!
Deus era bom e
clemente, mas a ditadura, pensava Augustinho, é que acabaria com os seus
tormentos, terrenos todos eles. Assim, começou a pesquisar como poderia seguir
a carreira militar, pois os militares é que, tendo implementado a ditadura uma
vez, implementariam uma segunda. Quando ela chegasse, Augustinho, que já seria
Augustão, estaria entre eles, talvez os liderasse. Abraçar a profissão, no
entanto, só depois dos 18 anos; havia uma adolescência inteira pela frente.
Agarrou-se mais
e mais às orações, o que não o impediu de cometer uns pequenos pecados no
isolamento do banheiro e de espichar olhos para o sacristão, para o Merval,
aquele bronco do sexto ano, do sétimo, do oitavo... Apesar disso, chegou aos 18
incólume, Deus misericordioso o conservou assim.
A mãe se
derretia pela candura do filho. Nem se tivesse feito promessa, Deus a
presentearia tão bem. O pai via no menino sinais de novos tempos, estranhos
para ele, estranhos até demais, mas certamente melhores, com homens dedicados à
família e menos truculentos. Enfim, tudo soava bem e melhorou ainda mais quando
o casto anunciou que, servindo ao exército por conta da idade, depois seguiria carreira.
Seria general e promoveria a ditadura. A mãe chorou de doce emoção. O pai
aplaudiu e, não contendo a alegria, escarrou pela janela.
O exército não
era muito diferente da escola, havia jovens de ambos os sexos, aulas e momentos
de recreação. A diferença era o empenho físico cobrado. Augustinho, um menino
franzino, aparentemente frágil, se revelou, tomou gosto pelos esportes, se
destacou nos treinamentos de campo, tornou-se um atleta.
Se as tentações
do pecado não lhe deixavam em paz, descobriu que sua força de vontade era
maior. Via-se, no futuro, solteiro. Com mulher não se casaria e com... do resto
Deus cuidaria como cuidara até então. Seu projeto de vida era acelerar a
chegada da ditadura para livrar outros jovens do sofrimento por que ele passava.
O mundo deixaria de produzir Augustinhos, quer dizer, não aflorariam angústias
augustinas em mais ninguém.
Mas como se
tornar um ditador?
Descobriu que
ditador torturava. Estudou todas as torturas possíveis e achou por bem
experimentar algumas no próprio corpo. De vez em quando, dava um choque embaixo
da unha, ficava de cabeça para baixo dez, quinze minutos. Aprendia na pele o
que aplicaria como corretivo aos inimigos e, verdade seja dita, se a
intensidade do choque fosse maior ou se fosse amarrado em pau de arara, ele
responderia a qualquer pergunta, até as de cunho íntimo, nomeando inclusive o
que escondia de si. Nessas horas, a lembrança do amigo do pai surgia do nada só
para lhe soprar novamente que bons tempos eram os da ditadura, de foco e
retidão.
Augustinho
virou sentinela. Muito atento aos arredores do quartel, o futuro ditador, moço
inexperiente, deixou desguarnecida a retaguarda, que, sem que fosse convidado,
passou a ser visitada pelo temido Capitão Expedito, apelidado em cochichos de
caserna por Dito Duro. Os mesmos que apelidaram o capitão passaram a debochar
de Augustinho, aquele que teria trocado, na marra, a dita pelo dito, a dura
pelo duro.
Augustinho
estacionou no posto de soldado raso e, não tardou muito, foi desligado do
exército. Quando a mãe soube de tudo e mais um pouco, chorou de uma emoção
amarga toda vida. O pai, tomado pela ira, escarrou no chão da sala e proibiu o
filho de botar os pés naquela casa.
Sem família,
sem Deus — que a seu ver lhe virou as costas — e tendo experimentado, do
pecado, apenas a dor, Augustinho vive por aí, anda pelas ruas e planeja com seus
botões, e só com eles, tornar-se mais cedo ou mais tarde um ditador.
2 comentários:
gostei dessa história.
li ouvindo famosa música infantil alemã
https://www.youtube.com/watch?v=8PdAwGx7bJE
Caio, depois que você me mandou a tradução da canção (reproduzo a seguir), tive certeza que é a trilha sonora perfeita para o Augustinho.
O, você caro Augustin, Augustin, Augustin,
O, querida Augustin, tudo está perdido!
O dinheiro se foi, namorada foi embora,
tudo está perdido, Augustin!
O, você caro Augustin,
Tudo está perdido!
Brasão se foi, a equipe se foi,
Augustin encontra-se na sujeira.
O, você caro Augustin,
Tudo está perdido!
Mesmo que rica cidade de Viena,
Broke é como Augustin;
Derramar lágrimas com pensamentos afins,
Tudo está perdido!
Cada dia era uma festa,
Agora só temos a peste!
Apenas festa de um grande cadáver,
isso é o resto.
Augustin, Augustin,
Deite-se em seu túmulo!
O, você caro Augustin,
Tudo está perdido!
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