Veja, por exemplo, o Zé.
Biscateiro,
faz ponto a uns trinta quilômetros de casa, assalariado mínimo. Só na condução
ele gasta em torno de 20% da propina. Somando os outros gastos, inclusive a
indispensável birita do dia-a-dia, chega-se a um déficit fácil.
Surpresa:
Zé tem duas mulheres, Neide e Fátima.
Neide é
esposa, papel passado em cartório, com testemunha, terno, vestido branco e
tudo. O tudo incluindo uma saborosa sidra gelada, estourada sob os aplausos dos
parentes mais próximos e o olhar amistoso e contente dos sogros.
Sim. e
lua-de-mel. Perfume de Neide parecendo fugir do quarto do hotel. A vontade de
Zé fugindo mesmo pela porta afora, voltando ao quarto, doendo. O encontro?
Desculpe, uma foda ótima.
Fátima
apareceu depois, e não há qualquer explicação baseada em crise de Zé e Neide, pileques
inconsequentes do biscateiro ou pura peruagem. Sei lá, foi um flerte. Foi uma coisa
tão forte, querendo e empurrando um para o outro, que não teve jeito.
No
início, Zé quis guardá-las em compartimentos separados da sua afeição. Escondeu
da Neide a Fátima e da Fátima a Neide. Mas ...
Um
salário mínimo já é quase nada, é conta a pagar no próximo mês. Sabe, é o
capricho de uma pedindo, e o não-querer nada da outra pedindo mais ainda. A
grana não dava. E mais: era uma dor na consciência tão grande,
que meteu duas caninhas na goela, um chiclete no bafo, colocou Neide no colo e
falou de supetão.
Imagine
Neide. Moça talhada para isso mesmo, não poder tomar a sopa sozinha, dividir o leite
condensado com os nove irmãos etc. e tal. Sua resposta foi um silêncio manso, canto
de passarinho. E um pedido: conhecer a outra.
Mesma
coisa fez Fátima. Disse não se espantar, mas fazia questão de dizer à primeira
que a respeitava, dali por diante, mais que à própria mãe.
O
triângulo se fechou na sala da casa de Zé e Neide, tomando as seguintes
decisões:
i)
Fátima se mudaria para alguma casa ali perto;
ií) Os
três trabalhariam para conseguir mais grana;
iii)
Estavam felizes.
O que
veio depois foi glória, glória, o além da glória. Juntando os três salários
mínimos, descobriram que a cada um cabia mais que um salário. Fazendo de suas
despesas uma coisa única, pouparam e compraram uma televisão, fizeram roupas
bonitas para os fins de semana. Milagre: geladeira, cerveja gelada e Zé
chegando sempre cedo em casa.
Ali
pelas dez horas em um leilão velado, uma delas arrematava o companheiro
e levava-o para exibir seu vigor sereno e incessante.
Esse
era mais um lado dessa matemática. Cada uma delas, mesmo tendo apenas metade, tinha
um inteiro. Na lógica do quando está comigo é meu, tinham o desejo saciado, e o
olho nem pensava em futuro ou martelava saudade do passado.
Havia,
contudo, nisso tudo, um sistema sem solução: a cobiça. Zé, baseado em sua experiência
recente, imaginou que uma terceira mulher talvez lhe possibilitasse um carro.
Não queria, é verdade, nenhum carro do ano, modelo esportivo, roda
talalarga. Um Fusca antigo, uma Rural, Chevette, Gordini, TL, Corcel, o que
fosse, ia diminuir a distância entre o biscate e a casa, ia aumentar o tempo de
Zé para suas meninas.
Deixa
de voltar mais cedo para casa um dia, adentra o bar da dona Sara e, sob
os vivas dos camaradas antigos, aquece o espírito de cana, a coragem começa a
dar pulinhos e o olho gruda em Neusa.
Neide e
Fátima estão em casa, não têm nenhum pensamento ruim ou expectativa frustrada. Sabem
que mais cedo ou mais tarde o Zé chega. Estão um pouco ansiosas porque querem contar
a ele dos filhos que vêm. E tricotam, das receitas aprendidas juntas, os
primeiros sapatinhos.
Agora é
esperar. Se ele trouxer notícias de Neusa ou a própria, em carne e osso, será que
o brim do ciúme esgarça?
Antes
que ele se adiante, soltando a língua, recebe a notícia. Mal absorve a emoção,
pensa no dinheiro. Não será
pouco? Elas ouvem o plano, Neusa incluída, e sorriem esperança. Zé procura a
vizinha proprietária de um cômodo e o aluga.
Neusa chega no dia seguinte, distribuindo uma alegria imensa, escancarando à toa o riso fácil. Em instantes já é convidada para ser madrinha das duas crianças. Apenas um detalhe gostaria de esclarecer: vai contribuir para aquela cooperativa com mais de um salário; em compensação se ausentará de noite. Portanto, Zé é dela pelas manhãs: café, pão e, sic, pau.
E a creche? Sabe quanto custa? Uma fortuna. Solução: a quarta mulher. Esta já nem é propriamente escolhida nem se amiga para valer das outras. A quinta mulher, Neide não a conhece. Nem progressão geométrica daria conta da velocidade com que Zé se amasia com novas mulheres.
Mais importante, contudo, é saber se Zé, um dividido por entre infinitas, quase zero, dançava ainda apenas a dança do amante infalível ou se planejava o próximo sonho de consumo.
Zé, bem, o velho Zé rodava em círculo, grana pede mais grana. Já não trabalhava. Tinha casa própria. Tinha carro, moto, lancha. Tinha cavalo correndo no Jóquei. Filho estudando na PUC. Filha atriz. E, pasme, uma amante. Sim, uma amante tradicional, escondida das outras, trancafiada em um pequeno apartamento do subúrbio, com direito a frequentar desfiles de moda, lugares da moda, e tudo o mais.
E o que ele não faria por ela, moça de seus vinte anos no máximo? Faria gatos e lagartos. Se grana pede mais
grana, ele estava disposto ao pior: ao roubo.
Quando ela lhe pediu um apartamento na Zona Sul, raspou o dinheiro do banco, vendeu a casa, os carros,
a filha. Banana para as esposas.
Surpresa:
conseguiu ficar com menos de um salário. Na verdade, meio. Menos, 25%. Quase
nada, 1% de um salário mínimo.
A realidade nua e crua e a matemática pura quando se juntam, é o que digo, não há como escapulir. Zé é Zé sempre. No máximo, na opulência da quinta dose, permite fingir-se milionário para o espelho sujo do banheiro, no bar de décima categoria. Prova do não-teorema.
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