Um amigo e eu falávamos do apetite sexual da juventude. Na mocidade dele e depois na minha, os homens eram predadores sexuais. Quer dizer, nem sempre eram, mas, por imposição cultural, deveriam ser. Deveríamos ser. Deitar-se com todas as mulheres do mundo era o esperado. Quando não satisfeito, ou seja, sempre ou quase sempre — haja vista que o desejo é insaciável, — essa ânsia acabava gerando tristeza, frustração e um gasto excessivo com revistas masculinas. Lá pelas tantas, meu amigo comparou aquelas batalhas aos desafios de Américo Vespúcio, um dos grandes navegadores da passagem dos séculos XV para o XVI. Preferimos então rebatizá-lo de Américo Prepúcio.
Alguns de meus amigos que foram maconheiros aos dezoito e
ainda o são aos sessenta balançam bandeira pelo atual governo. Reflito cá com
meus botões atualmente caretas e não consigo entender esse alinhamento. O que
andam misturando na erva?
Aos quatorze anos, tornei-me crítico da televisão, uma
máquina alienante, concluí. As novelas eram um pastiche, suas histórias, em
títulos diferentes, se repetiam todas as noites, ontem, hoje e amanhã. Os
telejornais mais confundiam que informavam. Os programas de auditório exploravam
desafinados, humildes e toda sorte de desassistidos. Aos vinte e poucos, me dei
conta de que não era bem assim, exagero meu, mas o estrago já estava feito,
logo, a partir de então, vejo pouca televisão, inclusive a fechada e paga. Próximo
dos sessenta, trancado em casa há mais de ano por conta da pandemia, acabo assistindo
a alguma coisa e choro ouvindo crianças calouras num programa com grife
americana.
Viemos ao mundo para fazer listas. Corolário imediato:
viemos ao mundo para criar polêmicas com nossas listas. O Ruffato, por exemplo,
elaborou recentemente uma lista dos melhores romances escritos no Brasil até a
década de 1990 e recebeu aplausos e apupos. Aplausos tímidos, apupos ruidosos.
Eu não faço listas, mas, se as fizesse, essa seria a primeira entre as coisas descartáveis
deste mundo. Ora, mas se a razão de viver está em fazer listas, logo... Bem,
logo a vida não tem sentido, o que é a pura verdade.
Não estamos entre a cruz e a espada, mas entre a graça e a
desgraça. E toda graça que a gente acha, no fundo, alimenta a desgraça que nos
achaca. Tudo assim em rimas espúrias, como espúrios têm sido nossos dias.
A dentista anunciou minha entrada na terceira dentição, quer
dizer, daquele momento em diante, trocaria os dentes definitivos (uma ova)
pelos postiços. A situação exige resignação e dinheiro. Este, mesmo não tendo,
a gente arranja, já aquela não há banco que a empreste, mesmo a juros
extorsivos.
Eu, meu pai e alguns de seus amigos estávamos sentados à
sombra da “árvore dos enforcados” — sob a qual se reuniam ou se reúnem os negociantes
lá de Passos, muitos deles na pendura, pedindo dinheiro a todo mundo —, quando
o Canário soltou assim do nada que a exposição excessiva do corpo feminino
acabaria com a libido masculina. Ele fazia loas ao tempo no qual visualizar um
pedaço de uma canela, ali entre a barra da saia comprida e a renda que enfeitava
o punho da meiinha curta, era um acontecimento e tanto. Se ele estivesse certo,
agora que a máscara passou a ser, entre os sensatos, parte fundamental da
indumentária, nossa vida sexual deveria estar a mil. No entanto muitos municípios
têm apresentado estatísticas de um número maior de mortes do que de nascimentos.
A máscara não estimula a sensualidade e a fertilidade, mas a recusa de seu uso
assanha a morte.
Às vezes, como brinca o narrador de futebol Milton Leite, eu se acho, mas, fora esses lampejos de vaidade, eu me escondo e não sei onde me esqueci. Ah, sim, foi num país do futuro. Não aquele edulcorado pela ditadura, mas o real, duro e no qual a gente colheria ao menos uma flor de um dos muitos canteiros que plantamos e que o vento não se cansa de derrubar.
Entramos na vida como verdadeiros parvos e saímos dela não de todo instruídos, portanto a ignorância é, de fato, uma de nossas mais arraigadas características. O desconhecimento conquistado, se é certo dizer assim, pode ser por falta de curiosidade, de oportunidade ou até por não haver necessidade de saber certas coisas. Logo, há grandes, médias e pequenas ignorâncias. Eu, por exemplo, alimento uma que, na hierarquia, deve ser ínfima, mas assim mesmo me traz algum sofrimento. Por que entre tantas frutas, legumes, tubérculos, justo à abobrinha coube o significado de conversa informal, tola, recheada de bobeiras? Por que, meu Deus? Por quê?
Um comentário:
Obrigada pelas abobrinhas, Alexandre. Elucidativas. Abração,
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