Quando eu era bem jovem, me lembro de ter ficado admirado com o que contou um amigo recém-chegado de São Paulo: no cardápio de uma lanchonete não constava uma variedade de sanduíches, mas apenas três: carne; queijo e carne; e queijo, carne e ovo. A carne era de um tipo só, hambúrguer bovino. Meu espanto tinha a ver com o fato de que, na minha cidade interiorana, os sanduíches ficavam cada mais cheios de opção: cebola, alho, bacon, salada, molhos diferentes, linguiça e outras invenções. Diante do que me parecia um retrocesso da lanchonete paulistana, quis saber como o justificavam. Simples, esclareceu o amigo, o dono percebeu que, com tantas alternativas, a escolha se tornava difícil, optar por uma era abrir mão das outras. Frente a um verdadeiro dilema, muitos clientes desistiam de comer, portanto não gastavam seu precioso dinheiro na lanchonete. Moral da história: o excesso nos confunde.
Se a gente esquece o sanduíche e pensa — escolho a próxima
palavra também pela rima — nas sandices do captain,
their captain, talvez encontre um paralelo entre as duas coisas. Os golpes
absurdos, numerosos e disparados simultaneamente por aquele senhor e seu
séquito buscam apenas nos confundir. É melhor então sermos objetivos e não cairmos
na tentação de enfiar muitos recheios no sandubão; enfim, optar por um
clássico. Traduzindo: se taparmos os ouvidos para a verborragia, os xingamentos
e as ameaças, o que resta é a incompetência. Na verdade, não existe sanduíche
se não se acrescenta queijo ao bife, portanto à incompetência devem-se juntar pitadas
de banditismo. Eis então a síntese de quem nos governa.
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Para Neném, Carlinhos, Edinho (in memoriam) e o amor de minha vida,
Nilzinha
Pena que eu vá misturar essa podridão pela qual temos passado
com o nome que direi agora: Dita.
A Dita, negra forte (como são tantas ou todas), viúva ainda jovem e com quatro filhos, foi trabalhar na casa de meus pais e, apesar de ter conseguido, uns anos depois, um emprego muito melhor na Santa Casa, com a segurança da carteira assinada e da previdência paga, nunca nos abandonou. Nunca. Quando meus pais ficaram mais velhos, e o enfisema de meu pai se agravou, ela passou a dormir na casa dos velhos. Sim, ela deixava a família, àquela altura de filhos adultos e netos, para fazer companhia aos seus antigos patrões. Na última internação de meu pai, ao sair de casa, ele sussurrou alguma coisa na direção de minha mãe, e ela não compreendeu, mas a Dita sim. Joaquim declarava seu amor à Haydée. Não fosse a escuta atenta daquela acompanhante tão especial, saberíamos do amor de meus velhos, pois era evidente, mas não saberíamos do último gesto daquele amor.
Agora foi a vez da dona Benedita nos deixar. Eu só posso lhe agradecer — e não só pelo caso recém-contado, uma lembrança que diz muito para mim e não alcança nem de longe tudo que ela foi. Sua grandeza estava na inteligência, no caráter, na força com que lutava e em como sabia ser irônica na medida certa. Conhecer uma mulher assim é um privilégio, e, por ter tido essa sorte, sim, agradeço mil vezes. E agradeço mais uma vez por ela ter me dado a oportunidade de conviver com seus filhos (minha infância não existe sem eles) e netos. Voltando um pouco ao campo da política, devo também desculpas à Dita, pois até o momento não conseguimos, em nosso país, apagar as marcas de um passado escravocrata e erradicar o racismo estrutural. Contribuo para esse fracasso.
4 comentários:
Graças a Deus estou de dieta. Verborragia nenhuma entra nas minha torradas do lanche das tardes. Faço ouvidos moucos e ouço a voz dos poetas e de cronistas sensatos. E viva a literatura. Muito lindo o seu exame de consciência e amor a Dita. Que bom que você é meu amigo.
Dag, querida, obrigado pela leitura. Sei que você não me ofereceu, mas aceito uma torradinha com geleia diet.
Acertou em cheio, Xande. Mas esqueceu de pontuar que o sanduba está envenenado.
Branca, envenenadíssimo. Bem observado.
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