19.11.22

Anotações de improviso

— O que é o mercado?

— Aquele lugar onde, entre outros, o João Sílvio vendia um Canastra daqui, ó. Oferecia também arroz, feijão, até sardinha — em lata e nacional, é verdade. E tudo, veja bem, anotado em caderneta.

— Mas é esse que anda nervoso?

— Ah, não, o nervosinho é de outra categoria. Ele não vende nada, muito menos fiado, mas ganha muito e pressiona que só.

 

Ó, Deus que não existe, dou-te algum contorno, um vulto, quiçá mãos e braços, e me aconchego em ti. Agradeço-te então a existência de Milton Nascimento. Reclamo da subtração repentina de Gal, mas também agradeço por ter-nos dado essa voz, essa beleza.

 

Estar no meio de uma torcida de futebol talvez seja a coisa mais animalesca que existe. As torcidas são violentas e comportam-se como se estivessem em guerra. Dito isso, estar no meio da torcida faz um bem danado, pois liberamos os ácidos da violência, que precisam ser descarregados de uma maneira ou outra, afinal somos violentos.

 

Será que, quando os portugueses desembarcaram aqui nesta terra, que na realidade não era uma, mas muitas, cada uma ocupada por um povo indígena diferente, houve um olho no olho entre eles e o grupo nativo com quem mantiveram o primeiro contato? Aposto que não, a espoliação requer o fingimento, e este não suportaria o enfrentamento imposto pelo olhar recíproco.


Vi um sujeito parado numa esquina, e sua postura era de quem vivia uma angústia, talvez não soubesse como chegar ao endereço a que deveria se dirigir. Resolvi ajudá-lo. Ele me disse que não iria a lugar nenhum, na realidade esperava um amigo. Já ia me retirando, quando ele me chamou. Me olhou de cima a baixo. Era a mim que esperava. (Ou a qualquer outro.)

Um comentário:

Nilma Lacerda disse...

De improviso mesmo, não?, meu amigo? Também assim se avança.