19.5.25

Novos dinossauros

Quase caí da cadeira quando soube que um amigo de meu caçula pretende ser dublador. Essa é uma função – profissão, bico, trabalho, seja lá que diabo isso possa ser (imagino que para uns seja uma coisa e para outros, outra) – em extinção. Há na TV anúncio de um banco com um ator americano falando português. É a voz dele, “dublada” por uma inteligência artificial, esse meteoro que destruirá os novos dinossauros: além dos dubladores, programadores, funcionários de bancos, professores de línguas... poetas. Sim, até nós, brutos. Lamentar, lamentamos, mas como evitar esse trem que desce do céu em velocidade alucinante?

Thiago Germano, autor do ótimo “O que pesa no Norte” (editora Moinhos), escreveu uma crônica contando de uma crise de criatividade pela qual está passando. Empacou na escrita de um livro que já consumiu quatrocentas páginas. Quer dizer, por sorte não gastou folhas de papel e, consequentemente, árvores, mas está usando memória de computador e, por isso, se entendo bem, algum minério que é a base dessa memória (escrever sempre causa danos ecológicos). No meio do bloqueio, ele se deparou com gente se oferecendo para escrever livros por uma quantia ínfima, obviamente recorrendo à inteligência artificial. Thiago foi então àquela que está à mão de todos nós e pediu que continuasse seu romance. Ele gostou do parágrafo que lhe foi entregue, embora, a seu ver, coubessem algumas modificações. No fim do imbróglio, resolveu continuar seu romance – escreveu um parágrafo em substituição àquele de autoria da IA –, sabendo estar metido em uma guerra contra um mundo cada vez mais utilitário. Escrever, como sempre e mais agora, é uma excentricidade à qual se dedicam os lunáticos. Os escritores, poetas como disse há pouco, estão condenados a, quando muito, viver num parque em que estarão reunidos os últimos dinossauros. Tomara que o Estado nos dê bons e amplos espaços e alguma criança nos jogue pipocas, mesmo sendo proibido.

Vou contar um troço pr’ocês: acho isso de IA tão grande, tão complexo, que nem penso nela – modo alienação ligado. Imagino que, no rabo dessa geringonça, virão mil maravilhas (sou otimista), apesar dos estragos, que não serão pequenos (não sou besta). Mas, cá entre nós, no campo da escrita, continuarei catando meus milhos em algum teclado – já foi o das máquinas de datilografia manuais e elétricas, agora é o dos computadores e celulares, não sei o que nos reserva o amanhã – e escrevendo minhas besteirinhas. Sou pouco pretensioso de um lado e tão insignificante de outro que acho que essa dona nem vai se dar por mim. E eu não vou me dar por ela. Quer dizer, desfrutarei de suas benesses – na medicina, na economia, na uva que partiu – e levarei umas cacetadas de seus malefícios.

Estou errado e meio, bem sei. Mas, gente, cheguei a um ponto da vida em que consigo manter apenas um foco de atenção. O meu tem sido escrever à moda antiga, e assim continuará sendo. Não estou me entregando à velhice, longe disso. Impulsivo como um jovem, planejo dançar um tango em Tuvalu, na (última) maré alta antes de a ilha ser varrida dos mares.

2 comentários:

Branca Maria de Paula disse...

E posso dançar um tango com você, na ilha que desaparecerá?

No Osso disse...

Claro, Branquinha. Entre um passo e outro, leremos nossos poemas.