30.8.20

Outro tipo de cronista

 Na zoologia dos escribas, há o cronista cansado, que, ao contrário do sem assunto, tem muito a dizer, mas não tem fôlego. Sendo assim, desconversa, cochila entre vírgulas e economiza diálogos.

— Não!

— Sim.

— No duro?

— Da cebola.

E o leitor que se esforce para saber se falavam mal do presidente, do ponta-esquerda do Bangu ou se viajavam de um ácido ingerido no verão de 1968 e que, do nada, bateu de novo. Ele que se levante da cadeira e, pela janela, veja o que acontece na rua e descubra a crônica não escrita, sequer rascunhada.

O cansaço não é como a manga, que tem qualidade, ou como o automóvel, que tem marca. Assim mesmo, é fibroso, pode fundir e, quando baixa no lombo do cronista, faz do pobre coitado um procrastinador contumaz, encurtador de frase e espichador de silêncio. Daí, o cronista cansado, só de pensar, sua e, para não piorar, deita-se de conchinha com o vento do ventilador e conta no máximo até dois para não ficar esgotado.

Sou desse espécime, ainda que tenha de esclarecer que... ah, outro dia me explico. Outro dia, mas não fujo de cumprir a função social do cronista, qual seja, preencher um pouco mais a folha em branco. Saio de mansinho deixando um poema um tanto quanto melancólico.


O peixe e o nada



O que do rio se pesca,
o peixe e o nada,
nada por nada,
nada por nadar.

Cumprindo a vida, o peixe
ocupando espaço, o nada.
Jantamos o peixe
depois de almoçados pelo nada,

com quem vamos deitar.





2 comentários:

Caio disse...

Gostei da expressão "espectador de silêncio",
Belo título pra uma
Coletânea

No Osso disse...

Valeu, Caio. Pensarei a respeito, hein?