A crônica, depois de pronta, pede pouco espaço, um cantinho de jornal, se muito um byte de um site, não mais que isso. Sua escrita, no entanto, requer amplidão.
O cronista bate
pé pelas ruas e à tarde se senta num boteco fuleiro ou chique, na companhia de
gente simples ou daquela meia dúzia de cabeças delirantes que tomam lugar nos
círculos mais inteligentes da paróquia. Sai da Zona Sul para subir — ou dizer
que subiu — de joelhos as escadas da Penha ou entra num avião no Santos Dumont
e, depois de descer em Congonhas, se mete por cantos que não conhece à procura
de vestígios do Geraldo Filme. Caminha cabisbaixo pelas ruas de Porto Alegre
para ver se detecta os passos do Veríssimo. Leva para Salvador um bilhete para o
Caetano Veloso sabendo que o baiano ainda não terminou de estacionar o carro no
Leblon. Senta-se à margem do São Francisco, em Petrolina, abre um vinho local e
espera por notícias do Zé Coco do Riachão que chegarão num vapor que talvez não
mais trafegue pelo rio. Comanda um pingado no Maletta e, espantado, enxerga o
Murilo Rubião na careca de um sujeito que anda com um guarda-chuva preso no
sovaco, um livro de bolso enfiado no cós da calça e um cigarro apagado na boca.
Oferece ivermectina para uma das emas do Palácio do Alvorada e, diante da
recusa amedrontada, insiste: “Aceita, boba!”
Mais, eis que
de repente, impossibilitado de saracotear por aí, não sabe o que fazer. Inventa
de medir a distância entre o banheiro, o quarto, a sala e a cozinha. Encontra Hemingway
na barata que o cachorro que se parece com Kafka abocanha. Dança ao som dos
repiques da geladeira, de onde tira uma feijoada congelada desde os tempos em
que a tia Surica não sabia cozinhar. Sopra a poeira da mesinha de cabeceira e
depois corre atrás daquela bolinha voante que o atrai tanto quanto as pernas
das musas atraíam Vinícius no início de sua conversão a cancioneiro. Dorme de
conchinha com a saudade mais filha da rua do mundo.
Dá de acordar
triste.
Chora pela hora do almoço.
Fala mal da primavera.
5 comentários:
Texto com nome e sobrenome de um grande escritor.
Crônica sobre nada, que diz tudo!!!
Vermelho
Obrigado, amigos. O cronista viaja na maionese de vez em quando.
Muito Bom!
Só mesmo com muita imaginação.
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