20.5.24

Morte de famosos

 

I

Quando Senna morreu, eu comprava pão numa padaria que não existe mais.

II

Zé Luís chorava como se houvesse perdido a pessoa mais íntima e amada. Sem chorar – era o tempo de minhas securas, que de certo modo continua –, mas dilacerado, me curvei à dor do amigo. Depois, bem depois, fui viver o meu luto pela morte da Elis.

III

Lennon, Lennon, e agora?

IV

A morte de Tom Jobim botou fim à minha ilusão de tomar um chope com ele e João Ubaldo no Leblon. Naquele dia, perdi grande parte de minhas pretensões e fui ser escritor, poeta capenga, a meu modo.

V

No dia da morte do Ziraldo, pensei muito em Drummond.

VI

Paul Auster me ensinou a ver diferente o lugar sempre igual.

VII

Como ficaram as baratas que Clarice Lispector herdou de Kafka?

VIII

Não chorei a perda de Cássia Eller, pois estava ocupado com a morte de um amigo. Assim, penso que, apesar de um pouco recolhida, ela está viva.

IX

Sem Philip Roth, a que tamanho desamparo foi lançada a literatura!

X

Itamar Assumpção não escapou ileso da vida, doeu-lhe tudo, até o dom. Não são palavras minhas, mas dele. E eu, o que digo? Nada. Danço e me espanto com seus achados, sua poesia.

XI

Sem ter conhecido Chico Mário, fui ao seu velório porque a história dos irmãos hemofílicos e com Aids nos sensibilizava a todos e, além disso, amigos trabalhavam no Ibase, que eu frequentava, conhecia o Betinho.

No velório, não me lembro de ter encontrado conhecidos. Caminhei incógnito entre as pessoas. O filho do Mário puxava o cortejo, e, em suas mãos, um gravador tocava repetidamente Ressurreição, música do pai.

XII

Afonsinho — craque do meu Botafogo, o sujeito que, em tempos ditatoriais, lutou pela profissionalização dos atletas — chegou de ônibus a Santos, pegou, sem nenhum privilégio, a fila imensa dos que velavam Pelé. Ao passar pelo caixão, despediu-se do Rei com palavras que só Afonsinho sabe quais foram.

XIII

Gal Costa levou de roldão uma voz, uma boca, um quê ainda sem nome.

XIV

Rita Lee foi minha primeira namorada, ainda que ela não fosse um porquinho-da-índia nem eu um cadinho Bandeira.

XV

Um dia, numa conversa com alunos do ensino médio, uma menina que parecia a porta-voz da turma me perguntou se eu conhecia algum escritor famoso. Talvez esperassem o nome de um desses youtubers ou de escritores que por alguma razão se tornam celebridades. Mas eu só tinha você, João Gilberto Noll, para oferecer a eles. Assim mesmo não o tinha mais.

XVI

Não há morte de famoso que tire meu luto pelo Rio Grande do Sul.

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