21.12.18
19.12.18
Coleção Estilingues 30
Dia 5 de dezembro, nós, do grupo Estilingues, lançamos 7 livros pela Editora Patuá.

Alexandre Brandão - Uns e outros mais dois ou três - contos, com orelha de Luís Giffoni. Compre aqui.
Para ver fotos do evento, clique aqui.

Para adquirir os livros, tome este caminho. A coleção pode ser adquirida inteira (com desconto) ou escolher apenas alguns dos livros.
10.12.18
Segunda feira chuvosa de março de 2019
Minha preocupação deu as caras ainda em 2018. Talvez fosse novembro, mês daqueles que, feito eu e conforme reza a lenda, foram concebidos nas estripulias momescas — com pouco amor e muita sem-vergonhice. Isso não importa, importa, sim, o fato de eu, nos dias que precederam aos meus 57 anos, ou seja, em pleno inferno astral, ter passado a desconfiar do que viria a acontecer. O inferno, decerto por conta do fogo, ilumina as mentes, torna as pessoas perspicazes, com dons adivinhatórios. E a clarividência comunga com a dor e o sofrimento, pelo menos foi assim na minha experiência.
Novembro ia pelo meio, beirando o dia da República, quando comecei a temer o pior. Já se sabia de um general ou outro na equipe próxima do capitão, mas, no mais, eram especulações. Quantos afinal? Em que postos ficariam? Tudo se confirmou, e os militares, em número expressivo, tomaram assento nos cargos estratégicos do executivo.
Eu, na minha ignorância lustrosa, vendo toda a movimentação de formação do governo, conhecendo um pouco os currículos dos tais militares em trânsito para os cargos executivos — gente que serviu às missões de paz da ONU, um ou outro pouco pacífico, uma estranheza para a missão, mas não muito para auxiliar o capitão eleito presidente —, passei a coçar a cabeça, a chacoalhar a cabeça, a bater a cabeça e a me perguntar: quem vai ficar nas casernas?
Esse afluxo de militares para o poder executivo criaria, como de fato criou, um rombo no próprio exército. Não temos muitos militares para abrir mão deles em suas funções. Minhas perguntas, além de castigarem minha cabeça internamente, com pensamentos, e externamente, com pancadas, me levaram a um total estado de medo. Fiquei sitiado por essa sensação ao acordar, durante o almoço, nas horas de trabalho, ao fracassar no amor e no sono. Não tive coragem de comentar com ninguém. Medo solitário. Ah, o medo solitário! O medo que se tem só não é, ao contrário do sonho que se sonha só, na visão do Raul Seixas, apenas um medo, é um calvário armado, esperando a vítima. A vítima? Eu. A vítima? Você. Nós todos.
Casernas vazias, prato cheio para os inimigos. Sim, temos inimigos, todos sabem ou no mínimo imaginam. Nosso corpo diplomático é reconhecido por sua habilidade de não se meter de forma tendenciosa nos conflitos mais beligerantes ou que existem desde sempre. Logo que os novos inquilinos do poder arregaçaram suas mangas, a diplomacia astuta e pragmática foi sendo deixada de lado, e o Brasil afirmou que tinha lado no conflito entre Israel e Palestina. Bem, inaugurávamos a era de criar inimigos, mas não eram esses inimigos que me afligiam naquele novembro friorento. Pensava nos cultivados ao longo da história, aparentemente não mais inimigos, mas cicatrizes mal-curadas não tardam a sangrar. O estribilho do pancadão me martelava: caserna vazia reacende o desejo de vingança, caserna vazia reacende o desejo de vingança, caserna vazia...
Hoje, nem bem o carnaval de 2019 afrouxou o couro do batuque e a quarta-feira santa redimiu um pouco dos nossos pecados, nessa segunda-feira que começou cinzenta e, de norte a sul, de leste a oeste, em pingos uniformemente distribuídos, descambou em uma chuva fina e contínua — situação rara, os meteorologistas estão chocados —; bem, nessa segunda-feira, segundo noticiam os jornais, as forças militares paraguaias fecharam a Ponte da Amizade e deslocaram um efetivo pequeno, porém maior que o vazio das nossas casernas, para a mítica Pedro Juan Caballero.
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Batalha do Avaí, de Pedro Américo. |
25.11.18
É treta
Palavra da moda é “treta”, que tem o sentido de um bate-boca
meio desvairado e não de uma discussão ponderada. No limite rígido do
dicionário, e me valho do Aurélio, os significados da palavra são “ardil,
estratagema” e “habilidade na luta ou na esgrima”. Já “tretas” tem o sentido de
“palavreado para burlar”, e “tretear” é “fazer uso de tretas”. Dando um nó
nessas várias pontas, a treta tem a ver com uma esgrima da boca pra fora.
No calor das paixões atuais, não fazemos outra coisa que não
seja promover tretas, já que o que importa é espetar o outro com a ponta
rombuda da nossa espada. Nesse momento político conturbado, há os que, com
ironia, clamam por treta mais amena, tipo aquela que, apenas para citar uma,
surge quando se aponta o dedo para o que é considerado uma fraude literária. Afirmar,
por exemplo, que o “escritor fulano é um engano”, a despeito de ter faturado
vários prêmios e vendido milhões de livros, pode gerar uma troca de sopapos
verbais inacreditáveis. Mas, diante das radicalizações do período eleitoral ou das
diretrizes para as quais os futuros governos (federal e estaduais) têm
apontado, o enfrentamento em polêmicas menores não passa de um sonho de consumo
de toda gente.
Apesar de minha mineirice e aptidão à reserva, andei
trocando uns sopapos nesses tempos passionais. Procurei combater sem me
utilizar de fakenews, entretanto dei uma
e só uma derrapada. Foi naquele caso, se não estou enganado ainda não de todo
elucidado, da mulher gaúcha em cuja pele teria sido cravada uma suástica. Comprei
logo a história de ela ter sido atacada, mas há uma hipótese grande de que tenha
sido uma imolação. Em minha defesa, advogo que o grave é o símbolo nazista
circular em tom exitoso pelo país. Naqueles mesmos dias, uma igreja na região
serrana do Rio de Janeiro amanhecera com várias suásticas pichadas em suas
paredes.
Muito já se disse sobre as fakenews, motor de arranque de muitas tretas, mas, para além de seu
uso pelos desavisados — os idosos da família, os assustados da hora, os
ignorantes, os crédulos de toda sorte —, o que me chamou a atenção foi o fato
de que algumas pessoas usam a falsa notícia sabendo que é mesmo falsa. Tive a
experiência de alertar uma pessoa sobre uma mentira que disseminava, e ela
pouco se importou com isso. Seu objetivo, me disse, era incomodar o outro lado.
Estou fugindo da minha aspiração ao começar a crônica. O que
eu queria dizer é que não tarda muito alguém fará uma antologia daquelas “tretas
das galáxias”, as mais mais. Haverá capítulo dedicado aos argumentos pueris (os
que falam em comunismo infiltrado em todas as reentrâncias da sociedade têm
lugar ao sol), aos litígios violentos, às ironias certeiras, não podendo faltar
o pequeno tratado da vergonha alheia. Tudo, claro, ilustrado pelos memes, que
não são desse mundo. Não me admiro se um escritor conhecido, dos bons ou não, que
engana ou não, se lance a essa empreitada. Acho mesmo que ela servirá como um
documento indispensável de nossa época, sem contar, é óbvio, que, se o clima
estiver menos exacerbado, abrirá o período de descer o malho no trabalho do
colega de arte e, com isso, dar início a uma nova onda de tretas.
18.11.18
12.11.18
Sinuca de bico
Um sábio, desgostoso do pouco interesse pelo saber, resolve dar as costas justo ao saber e viver de brisa. Mas isso, em vez de livrá-lo da sabedoria, o torna ainda mais sábio. Diante do paradoxo, o sábio, enfim, não sabe.
Já a mulher que só encontra sentido na vida recheada de sexo e caipirinha, ao ver-se envelhecendo, cada dia com menos apetite para os embates do corpo e com menos fígado para a bebida, conclui que, sim, viver sem sentido também faz sentido. Mas não fica lá muito convencida.
Por sua vez, a criança precoce — a que a está à frente do seu tempo e, por isso, antes de deixar de ser criança já não é mais criança —, quando entende que no futuro viverá de nostalgia, vê correr entre os dedinhos o futuro que não terá.
O confuso, aquele débil para quem a melhor reta está dentro do ponto, é, entre muitos, o menos confuso pois, na sua visão de mundo, Deus é prolixo demais.
A avó materna do primo paterno da tia de um vizinho tem convicção de que as voltas que o mundo dá não são no sentido defendido pelos físicos. O mundo roda de banda, ela advoga para uma plateia de dinossauros.
Provocador, o reverendo espalha por aí que ser e estar dera origem ao universo. Argumenta: primeiro foi o verbo. Se corrige: foram os verbos. Volta atrás, essa diferenciação só existe numas malditas línguas latinas. E se põe a pensar em como seria no mandarim.
A poeta, que não aceita ser tratada por poetisa, pergunta a musicista se algum dia ela havia sido chamada de música, feminino de músico, que é como os instrumentistas são conhecidos. Recebe como resposta, de uma região ao sul do peito, um dó em forma de vento, que não nomeio em consideração à poeta, que não gosta de rimas.
O ventríloquo se dá conta de que está doente quando o boneco dispara a falar verdades. A pior de todas: ele, o ventríloquo, é que é o boneco.
A mulher fica feliz ao compreender que, quando deu à luz, o que era deixou de ser e o que não era passou a ser. O homem ao seu lado caçoa dela: ora se não é assim com todos, até com os pais! Não estava falando da maternidade, ela responde em tom de injúria, mas de não ser plena antes e de o ser depois. O homem canta de galo, de galo de uma nota só, que é o que pode fazer no momento.
A mulher fica feliz ao compreender que, quando deu à luz, o que era deixou de ser e o que não era passou a ser. O homem ao seu lado caçoa dela: ora se não é assim com todos, até com os pais! Não estava falando da maternidade, ela responde em tom de injúria, mas de não ser plena antes e de o ser depois. O homem canta de galo, de galo de uma nota só, que é o que pode fazer no momento.
Há outras sinucas de bico, mas elas saltarão aos olhos nos dias mais escuros.
4.11.18
29.10.18
O violão no baú
Se não me falha a memória — e a crônica, no seu miúdo, sempre
é sobre memórias que falham —, há dezoito anos escrevo crônicas. Por suposto, tratei
de muitos assuntos e me repeti inúmeras vezes. Repetir-se é tão humano quanto
errar... amar... abluir-se (aprendi esta palavra num romance do Vargas Llosa; sugiro,
a quem não sabe o que é, correr ao dicionário, se possível antes do banho).
Deixo o exibicionismo de lado e vou ao que interessa,
repetindo-me ou não. Se der sorte (se dermos), velho assunto em roupa nova, o
que já é alguma coisa.
No início da adolescência, eu era um moleque gordinho e, como
estratégia para não ceder ao fracasso da vida amorosa que se mostrava a meus
olhos, resolvi aprender violão. Aprendi. Mais até: compus algumas músicas. Com
isso conquistei de fato, senão amores, alguns olhares, um tanto de carinho e
uns dois ou três suspiros.
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Foto do autor, de Conservatória. |
Mais tarde, então um homem magrinho (entre a gordura da
infância e a atual, houve a magreza), encontrei meu amor, alguém que nunca me
ouvira tocar e cantar. Ou seja, o violão não parece ter ajudado. Seja como for,
nos meus vinte anos, olhei pros meus dedos, mirei minhas mãos e concluí: “Véi,
você é o pior violonista do planeta, se emenda, poupe o ouvido dos amigos,
descanse sua garganta, que mais grita do que canta, e suas mãos e dedos, que vão
encontrar coisa melhor pra fazer, não se preocupe”. Enfiei minha viola no baú e
fui cuidar da vida.
O que era cuidar da vida sem o violão? Sem saber o que era, letrista
de meia dúzia de músicas, passei a escrever poesia. E, claro, assim como em
certo momento achei que eu era uma espécie de Baden Bituca de Holanda, ao
escrever os primeiros versos me vi como um Manuel Drummond de Meireles Mendes. Se
um dia esfaqueei o músico, fui condescendente com o poeta. Humildemente
descobri que o Xandão era só o Xandão, e à escrita ao rés do chão, rodapé da
literatura, me filiei. Fui da poesia pro conto, do conto pra crônica. E, tendo
ido, voltei da crônica pro conto, do conto pra poesia. E vou e volto, já que a
vida — ora em valsa, ora em samba, ora em tango e bolero que algum mestre tange
—, não passa disso.
21.10.18
15.10.18
Um caractere a menos
A crise está atormentando a vida de muitas pessoas. Sempre há gradações, por óbvio, e chega a ser pouco ético dizer que está ruim para todos. Para muitos está péssimo. Os sem-teto formam uma grande massa que se vê em todos os cantos, retrato sem retoque da pobreza extrema.
Deixando a profundidade dos fatos e agarrando a mão da insignificância, ando desconfiado que mesmo o amor, em todas as suas formas — o erótico, o de veneração, o fraterno —, tem atendido seus fregueses na boca da noite sem dentes, escondido do astro rei e de suas desmesuras. Se é assim com o amor, o que será do resto? O que será que será que andam suspitramando no breu das tocas? A miséria grassa, o amor se esconde, os de sempre só pensam em perpetuar o sempre.
Vamos ao que interessa, nada de timidez ou de tibieza, advogo com voz de barítono, em atitude de mãe. Sim, de mãe. Vocês sabem que as mães são o topo estruturante, o resto é conversa finada. Pois bem, a crise, sim, era sobre a danada que eu discorria. A crise não está respeitando mais nada. É conta sem dinheiro, é despensa sem comida, é escritor mendigando uma ideia na bicha da burocracia. Misericórdia. Isso tudo por quê? Ora porquê.
Porque, com razão dobrada, os homens, no reinado tão bem definido por um ditado quase esquecido, “farinha pouca, meu pirão primeiro”, gostam de impedir que outros homens acessem a ternurinha do afeto, a gratidão da reciprocidade. Tudo isso e muito mais ao preço impróprio da despromoção. Cinquenta por cento do dobro do dobro do dobro.
Estou tricotando a fome hoje para morrer de frio amanhã. Estratégia errada. Também, não podia ser diferente, meu (nosso?) coach é o medo. E nem terço eu rezo. E nem à umbanda vou. E nem resguardo os domingos. A crise é um cisco que, numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, deu por si transformado num imenso coiso que, por bem, não se deve dizer o nome.
Desço ao rés do chão e poupo vocês de minhas ácidas viagens vencidas. Ao que interessa, ao que da crise herdo. Não sei se notaram, mas sequestraram parte miúda, nem por isso menos importante, do abecê que escrevo. De modo que, se preciso vociferar contra o senhor tupiniquim da guerra, só o posso fazer noutro idioma. E é assim que termino: #nothim.
7.10.18
1.10.18
Mais uma crônica política
Num evento em Recife, partidários da candidatura que pouco
compromisso tem com a democracia cantaram assim: “Dou pra CUT pão com mortadela
/ E pras feministas ração na tigela / As minas de direita são as top mais belas
/ Enquanto as de esquerda têm mais pelo que as cadelas”. É uma cançãozinha
divertida, uma troça contra o lado de lá? Não. Apesar de o verso da CUT ser até
engraçado, a parte que visa às mulheres é um desastre. É um acinte. Um crime.
O senhor que encabeça essa candidatura menos de direita do
que antidemocrática, a meu juízo, comete muitos crimes. Lembro-me de seu voto
no impeachment de Dilma Rousseff, que foi dedicado ao coronel Ustra, conhecido
torturador. E ainda está vivo no noticiário o que um de seus filhos fez circular
em seu perfil em uma rede social: uma foto que simulava a tortura de um homem
que tinha na camiseta a hastag #elenão. Lembro-me de suas palavras dirigidas a
Maria do Rosário, deputada do PT do Rio Grande do Sul. Se alguém já se
esqueceu, ele dizia que a deputada não merecia ser estuprada porque era feia. Lembro-me
ainda da resposta dele a Preta Gil no programa CQC. Ela havia lhe perguntado
como reagiria se um filho namorasse uma negra, e ele disse que não se
pronunciaria sobre promiscuidade. Até onde sei, tortura, estupro e racismo são
crimes neste país, logo é crime homenagear um torturador ou dizer que, fosse
outra mulher, se poderia recorrer ao estupro ou que é promíscuo o namoro de um
branco com um negro. Há exemplos da artilharia retrógrada lançada contra a
comunidade LGBT. A guerrilha em prol do atraso é suja e interminável e, nela, o
capitão é general.
Se me espanto com
esse viés de conservadorismo obscurantista, também me espanto com outras ideias
que ele e seus seguidores lançam esparsamente. Por exemplo, que, no futuro, se
poderá fazer uma constituinte sem políticos, uma coisa de escritório, melhor
dizendo, de quartel. Que, se desfavoráveis, os resultados das urnas serão
contestados com força. E aí a força são as armas que generais e capitães têm
sob controle. Quase sob controle, haja vista que muitas delas são desviadas
sabe-se lá como e vão parar nas mãos de bandidos.
Esse “cardápio” que nos é apresentado vai de encontro aos
valores que cultivo. Estou aliado às lutas femininas, dos negros, da comunidade
LGBT, ando ao lado dos defensores dos direitos humanos e acredito
fervorosamente nessa contradição ambulante chamada democracia. Na democracia há
ou pode haver corrupção, sim. Na democracia há retrocessos, sim. Mas, no saldo
geral, é nela que avanços sociais e econômicos têm mais chances de acontecerem.
A nossa, de 30 anos, é cheia de exemplos: combate à inflação, diminuição ainda
que temporária da concentração de renda, maior nível de escolaridade, a
despeito do nível baixo do ensino, e por aí afora. Se, no momento, houve
tropeços, é hora de insistir na democracia e não dar as costas a ela.
Mais uma vez, ocupo este espaço para me
posicionar contra uma candidatura que refuta os avanços que tivemos. Mas, por
favor, não pensem que acredito no discurso “não houve nada disso” do PT.
Sinceramente, não é por aí. Tenho muitas insatisfações, só não abraço a
barbárie. Aliás, por isso, termino minha conversa com a dúvida que não quer
calar: Quem matou Marielle e Anderson?
23.9.18
17.9.18
A facada
Não achei graça nenhuma na facada que o
candidato à presidência do Brasil levou em Juiz de Fora.
Fiquei espantado com as reações. Algumas
de alegria, outras de desconfiança em relação ao que havia acontecido. Para os
partidários da desconfiança, um ato teatral, armação simples e pura.
Fiquei abestalhado com o fato de que os
que estão do lado do candidato começaram a espalhar fotos montadas ligando o
agressor ao Partido dos Trabalhadores. (Quem não se lembrou do sequestro de um
empresário às vésperas da eleição de 1989, imediata e erradamente ligado ao
partido?).
Não acho graça, já faz tempo que não
venho achando graça. Nossas elites, no jogo sórdido do poder, têm conseguido
destruir as instituições e, com isso, têm levado o cidadão ao desespero, a
abraçar a ideia de que, para resolver as coisas, será preciso agir por si só,
fazer justiça com as próprias mãos.
Não tenho nenhuma proximidade com o
candidato esfaqueado. Jamais votarei nele. Aliás, num segundo turno, voto em
qualquer outro contra ele, seja esse outro um candidato à direita ou à
esquerda. Abomino as ideias que ele levanta. Quem externa o voto nele ainda
acredita que o Estado possa cumprir seu papel na sociedade. São eleitores que
estão devorados pelo medo, cegados pela falácia de que a violência derrotará a
violência. Mas, de todo modo, fiéis aos rituais da democracia. Não sei se
permanecerão assim por muito tempo, mas, enfim...
O doidivanas que esfaqueou o candidato
representa uma outra classe, essa que eu disse há pouco, a dos justiceiros. Não
são poucos os que estão desiludidos com a própria democracia. Para estes, ou se
vai na faca ou se entrega tudo à ditadura. São os perigosos. Não rio quando
eles agem.
9.9.18
3.9.18
As mortes do dia 20
No dia 20 de agosto de 2018, o Rio de Janeiro teve mais um dia daqueles terríveis. Matou-se nos quatro cantos da cidade. Sabemos quem são os mortos, os de sempre: negros, jovens, moradores da periferia, alguns que trabalham no tráfico, outros que simplesmente vivem ali onde o tráfico — e não só ele — está entrincheirado. Há um grito para que legalizem a pena de morte, mas ela, se não está legalizada, impera entre nós. Praticada pelo Estado, praticada pelo tráfico (pelo roubo, pelo sequestro). A pena de morte não resolve, temos prova suficiente disso, basta tirar o véu dos olhos. A violência não coíbe a violência, ao contrário, alimenta-a. Minha utopia, digo e redigo: desarmar a polícia, o Estado. A reação dos bandidos se daria no mesmo sentido, por que gastar tanto com armas se o outro lado não as tem mais? Meu leitor, você está lidando com um utópico, guarde um pouco de seu pragmatismo ao combater minhas ideias. Vamos nos alimentar de um sonho.
Querem reduzir a maioridade penal, pois, argumentam, as crianças estão carregadas de maldade e portam fuzis. Perguntar a razão disso não se pergunta. Isso de perguntar muito não leva a lugar nenhum. Melhor prender, arrebentar, dar um corretivo ou mesmo o corretivo final. Crianças? Que não vinguem. O fato é que muitas delas já estão encarceradas nos estabelecimentos que deveriam servir a sua reeducação. E essas crianças, um jornal do Rio de Janeiro, na véspera do 20 de agosto, mostrava, umas assassinam as outras. Essas crianças suicidam-se. Elas já recebem o tratamento que os senhores da violência imaginam ser a solução para o futuro do país. Em vez da violência, plantemos uma utopia. Vamos nos alimentar de um sonho.
Os que acreditam no chicote e na bala não são pessoas de diálogo, claro que não. Como seriam? Ouvir o outro pode significar baixar a mão, recolher o relho, tirar as balas da culatra e enfiar para sempre a arma no coldre, o coldre no lixo. Dar ouvido ao outro pode significar entendê-lo, dar-lhe razão. Mas como abandonar suas próprias razões, essas adquiridas não com reflexão, mas com experiência? Qual experiência? Ora, não venham com perguntas, eles não gostam de perguntas. Eles têm resposta. Mas respondem a quê, se não respondem a uma pergunta? Não respondem. O que fazem então? Reproduzem a ignorância alheia. Matem. O ladrão? Matem. A mulher que não baixa a cabeça? Matem. O pedinte? Matem. Deixemos que a morte faça o seu serviço sujo, ela existe para isso, não precisamos, feito Deus, agir por ela. Plantemos uma utopia. Vamos nos alimentar de um sonho.
26.8.18
12.8.18
6.8.18
Pelas bordas de Paraty
A única pessoa que vi escrevendo em
Paraty não era um escritor. Não falo do atendente de bar, transformado, por
conta do número excessivo de pedidos, num gastador inconsequente de tinta. Nem tampouco
de um daqueles que anotam tudo para não se esquecerem do detalhe do detalhe. Antes
de contar essa história, preciso dizer duas palavras que podem facilitar o
entendimento de por que registrei, entre tantos acontecimentos, mesas, saraus,
bate-papos e livros, justamente esse encontro com um não escritor que escrevia durante
a festa da escrita.
Paraty é dessas cidades que me dão uma vontade
inexplicável de largar tudo e me mudar para o passado. Viveria como senhor de
engenho? Como escravo? Índio? Nossa história — e não só a nossa e não só o passado
— é um rosário de violência. Se é assim, o que eu faria em tão distantes
séculos? Poeta, escreveria versos estimulado pela cachaça furtada dos engenhos
locais, ou, rebelde, arquitetaria uma inconfidência? Quem sabe não me casaria
com a mãe de Thomas Mann, pequena alemã nascida na cidade? Eu seria o homem que
não houve e, para vencer a resistência dos Bruhns, raptaria a jovem Júlia da
Silva Bruhns para me casar com ela. Quando perguntassem ao longo da história da
literatura quem era esse tal de Thomas Mann, a resposta seria: “Uai, é filho do
Xandão, do Xandão da Haydée.” Ah, Paraty, que embriaguez é essa que suas ruas
de calçamento cruel proporcionam?
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Foto do autor. Paraty/2018. |
Minha mulher, quando visita alguma cidade histórica, costuma dizer que pressente o trânsito de seus fantasmas. Nos dias da festa literária, é certo que os espectros apuram seus ouvidos e saem às ruas para ver o que o futuro traz. Eles entendem o beco escuro no qual estamos metidos, pois não é de hoje que o Brasil vive preso a suas incapacidades. Mas o que é o episódio de racismo sofrido por Sara Cristina Trajano, a colaboradora da editora Patuá que se desdobrava para fazer a “Casa do Desejo” funcionar, eles não entendem. Sim, os fantasmas são do tempo em que o conceito de racismo não existia e negro só era considerado gente quando os senhores de escravo enfiavam filhos negras adentro. Hoje, apesar da vigilância contra o racismo, alguns homens de erudição simplesmente o ignoram, que foi o que aconteceu a Sara.
Em minha primeira FLIP, na qual me
aconcheguei na companhia de uns poucos amigos, quando sozinho, flanei pelas
ruas feito um doido, como se, tomado pelos fantasmas e pelo delírio de ser um
deles, pudesse purificar a história que um dia se passou naquelas ruas sistematicamente
invadidas pelo mar. Mas também para procurar, entre tantos amantes da
literatura, alguém que, incógnito como eu, pudesse me acalentar a esperança de
novos e bons dias. Foi assim que, a certa hora, entrei em um restaurante. A atendente
me ofereceu compartilhar a mesa com um moço que, desde o início da festa, ia
ali todos os dias. Não me importei, ele não se importou. Acomodei-me e fiquei calado.
Ele, bem, ele escrevia enquanto bebia uma cerveja e assim continuou.
Vislumbrei no rapaz uma caricatura.
Apostei que estava diante de um desses que se abraçam a um certo romantismo e
escrevem em qualquer situação. E haveria melhor situação do que durante a festa
mais badalada da literatura no Brasil? O rapaz comprara caderno e caneta e
zarpara para o lugar que lhe daria inspiração, pois os poetas — seria um deles
— vivem de inspiração.
Ele se manteve na lida até chegar seu
macarrão com frutos do mar. Nesse momento, guardou os apetrechos da escrita,
encheu o copo e então desculpou-se por não ter me dado atenção. Eu disse que
tudo bem e, certo de que sabia a resposta, perguntei se ele era escritor. Não,
era engenheiro, trabalhava na empresa de energia de Niterói. E correu a
justificar o caderno e a caneta: escrevia uma carta para dizer a alguém que perdera (um amigo? Um amor?) coisas que não poderiam ficar
caladas. Apesar da juventude, afirmava-se numa forma de escrita que o tempo vai
sepultando sem pena: a epístola. Refiz minha aposta: ele estava habitado por
algum dos fantasmas da cidade velha.
Éramos dois.
29.7.18
22.7.18
Desnudando a memória
No Instituto Estação das Letras (IEL), ouvi Ruy Castro falar sobre a Copa do Mundo de 1958, que ele acompanhou com a paixão de seus dez anos. Lá pelas tantas, Suzana Vargas, idealizadora e diretora do IEL, disse que estava impressionada com a memória do biógrafo de Garrincha e Nelson Rodrigues. Realmente, ele não deixa a bola fugir de seus pés, quer esteja falando dos mágicos três primeiros minutos da partida do Brasil contra a União Soviética, estreia de Pelé e Garrincha, quer esteja contando sobre o trabalho dos repórteres que foram à Suécia cobrir o evento numa época heroica do jornalismo.
Sobre a memória, Wally Salomão, poeta e letrista baiano, tem uma frase que se eternizou. Segundo ele, a memória é uma ilha de edição. A ilha de edição é onde o filme efetivamente se concretiza. Ali todo excesso (os mil takes, o roteiro) é cortado e recortado para se impor a forma como a história será contada. Portanto a memória é um filtro.
E é um filtro sem filtro, que deixa cacos de história perdurarem no tempo. Meu pai me disse que gostava do número três. Apesar de não me recordar das circunstâncias, posso jurar que foi na sala de nossa casa, ele sentado no sofá, eu ao lado. Cultivo memórias mais fortes do velho, mas essa desimportante, corriqueira, está aí, firme e forte. Meu pai gostava do número três. Alguém mais saberá disso?
Morador do interior de Minas, fui visitar minha avó no Rio. Ela me levou à casa de uma sobrinha, que me apresentou o filho. O primo e eu éramos crianças da mesma idade, e não me esqueço das muitas camisas de futebol que ele tinha. Fui me reencontrar com esse primo agora, quase cinquenta anos depois. Falei disso e o deixei no mínimo espantado. Tudo parecia crível: ele morou onde eu dizia e, por gostar de futebol, colecionava camisas e flâmulas. Mas não mantinha o menor registro do nosso encontro, aliás, nem de mim. A memória não é uma via de mão dupla.
Um amigo me contou que anda escrevendo suas memórias e já preencheu um bom número de páginas. Em alguns momentos, no entanto, falou do esquecimento, o que me levou a dizer que não será nada confiável seu relato. Rimos. Mas, friso agora, memória é também esquecimento.
Quando não é invenção, deliberada ou não. Minha amiga, a escritora mineira Cristina Agostinho, fez um livro sobre Luz del Fuego (“Luz del Fuego: a bailarina do povo”, escrito com a colaboração de Branca Maria de Paula e Maria do Carmo Brandão e recentemente reeditado pela N30 Editorial). Segundo ela, foi impossível decifrar como Dora Vivacqua resolveu dançar com cobras. Diante disso, como hipótese, baseada no amor que a nudista dedicava aos livros, aventou-se que a futura Luz del Fuego teria se inspirado em imagens de sacerdotisas babilônicas, que, claro, dançariam com cobras. A história-hipótese vingou e até hoje é repetida quando se fala daquela mulher que andou — se é que ainda não ande — à frente do seu tempo.
A memória aparece nesses grãos recém-espalhados por aqui. Como forma de desnudá-la por completo e sem deixar de me mostrar muito senhor de mim, capaz de ombrear com o poeta tropicalista, defino: a memória é uma filha da sedição. Não faço ideia por que filha e não mãe ou prima, tampouco ou muito menos que motim a pariu. Aliás, se já soube, não sei mais a razão de ter arriscado essa definição sem pé nem cabeça, esse trocadilho barato com a frase do Salomão. Ao envelhecer, o problema é justamente a perda da memória recente.
15.7.18
9.7.18
Outro Homem
Para os novos avós: Neide e Guido, Sandra
e Adelino
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Foto do autor. |
Não vou dizer flor. Tampouco água, ainda
que potável. Os dias não estão nem para um nem para outro. Digo pedra, e
imediatamente penso que as pedras são tão delicadas quanto a flor e a água. É a
mão do Homem que a transforma em arma. É a mão do Homem.
Então digo Homem. Digo a mão do Homem e
do que ela é capaz: atirar a pedra, esculpir na pedra uma arma perfurante,
atirar a pedra impulsionada por um estilingue. E matar o pássaro. E matar o
réptil. E matar seu semelhante, embora não o mate por fome nem o mate para
comê-lo.
A flor, na mão do Homem, é apenas o
perigo dos espinhos. E a água potável, um instrumento de tortura.
Não vejo saída. Mas...
Nasceu a Luísa, nasceu o Henrique, e o homem e a
mulher não estão plenamente prontos em meus sobrinhos-netos, nos filhos de meus amigos.
Cândido, penso que em breve direi flor, água, pedra e, com encanto, Homem. Outro
Homem.
1.7.18
25.6.18
O Futebol
Nunca fui bom de bola, apesar de ter passado grande parte de minha infância chutando uma. Jogava futebol de salão na quadra do clube. Jogava em chão batido, no campo improvisado da casa do Silvinho, e raramente num gramado. Principalmente, jogava na rua. Na rua do Ouro, com seu asfalto bem feito. No Beco dos Aflitos, com seu calçamento de pedra e sua evidente inclinação. Chutei muito chão, meus dedões não se esquecem disso.
Na escola, passei a gostar mais de basquete e handebol. Tinha mais habilidade neles, embora, assim como no futebol, não fosse um cara de chegar junto, de disputar espaço com o corpo. Guardadas as devidas proporções, me assemelhava a um Neymar, ainda que, ao contrário dele, quase nunca caísse. Não caía porque tinha medo de me machucar. Vocês já devem ter visto que tipo de atleta eu fui. Por favor, não se manifestem nos comentários, me poupem.
Não sei bem se foi a cachaça, mas fui me afastando dos esportes. Virei um torcedor, assim mesmo sem muita fé. Morando em Minas, por influência da mãe, tornei-me botafoguense. Havia uma tradição na família materna, eu e vários primos torcemos pelo clube. Meu pai, por sua vez, nunca gostou de futebol e, quando pressionado, dizia-se torcedor do Bangu, time que não tinha grandes pretensões no final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, e só fez encolher-se mais ainda daí em diante.
Quando nasceu meu primeiro filho, o Botafogo não ganhava um campeonato (estadual ou nacional) havia vinte anos. Foi para a final do Carioca de 1989 contra o Flamengo. Minha mulher disse que, se o meu time ganhasse, o filho torceria por ele. E seria flamenguista no outro caso. O Botafogo ganhou, e, apesar de eu não ter levado muito a sério o combinado, o João se tornou um botafoguense dos mais apaixonados. A Helena, a segunda filha, quando dizia alguma coisa sobre futebol, declarava-se flamenguista. E o Pedro, o caçula, é um flamenguista e tanto.
Meus dois filhos homens gostam muito de futebol. O mais velho teve um blog por um tempo, o mais novo, agora estudante de jornalismo, tem o dele (Futlândia), onde fala também sobre basquete, esporte que pratica e acompanha.
Enfim, tudo isso para dizer que acompanho o esporte bretão, mesmo sabendo o que acontece à sua volta. É fato que alguns de nossos dirigentes amargam prisão ou processo por corrupção. Por outro lado, a venda de jogadores, a relação entre empresários, jogadores e clubes, a atuação das empresas de marketing e a forma como as redes de televisão negociam as transmissões estão sempre sob suspeita, obscuras até o talo. O que é uma pena, pois o esporte é lindo. E, por ele ser lindo, eu, bobinho da silva xavier, o acompanho.
Foto do autor, Engenhão, 2011. |
17.6.18
11.6.18
Minha colega e o pianista
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