7.10.12

Esfinge Voraz


Estamos na época de digitar o voto na urna eletrônica — orgulho tecnológico que deixa muita gente com a pulga atrás da orelha — e apontar nossos futuros prefeitos e vereadores.
Elegemos no plural, mas o meu ou o seu candidato podem muito bem passar longe, bola chutada pra fora do estádio. Ele ou ela terão ideias próprias e, por essa razão, serão derrotados? Ou ela ou ele não passarão de fanfarrões corretamente sepultados pelo voto, ou melhor, pela falta de voto?
Democracia: esfinge que, quanto mais deciframos, mais nos devora. Sem democracia não viria à tona a voz das minorias, dos marginalizados ou dos que, persuasivos, opõem-se à situação. Mas, na democracia, elegem-se os que têm tutu à beça ou os que, mesmo não o tendo, acercam-se dos que têm. A aliança circunstancial serve bem no dedo de quem não se presta a casamento duradouro, de quem gosta das festas do matrimônio e, mais ainda, dos divórcios, porta que se abre para nova conquista.
Não é jabuticaba, fruta que viceja apenas em nosso solo gentil. Vejam a eleição americana (se aproximando) ou a francesa (recém-acontecida): nelas também o dindim é o diapasão que orienta a orquestra. Lá e cá, orquestra na qual tocam célebres artistas ao lado de burocráticos leitores de pauta. Péssima metáfora, os burocráticos leitores de pauta fazem mal ao ouvido e sensibilidade alheios; por sua vez, os maus políticos subtraem os instrumentos da orquestra e deixam o verdadeiro artista preso à pantomima. Por isso encontramos muitos spalle pelas ruas passando o arco invisível no violino igualmente invisível.
Democracia não é apenas o espetáculo do sufrágio universal. Esse é o momento de sua celebração. Democracia é também o ciscar da galinha, quero dizer, a coisa simples da vida comezinha. É minha relação com meus filhos, e a deles com seus professores. E a dos professores com seus superiores. É o respeito aos mais velhos, aos mais pobres. É a convivência com a diferença. É a discussão de ideias. É, ainda, a possibilidade de termos todos as mesmas oportunidades.
Como a democracia se fixa também na dinâmica do corriqueiro, podemos atuar com mais desembaraço em sua consolidação. Contraditoriamente, maldita esfinge, é justamente esse o espaço de maior dificuldade, pois temos de brigar com nossos preconceitos mais arraigados.
Meter o dedo na máquina é fácil, viver democraticamente é que são elas. 

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Luís Giffoni, escritor mineiro que faz o programa "Livro no Ar" pela Bandnews de BH, falou de meu "No Osso: Crônicas Selecionadas". Quem quiser ouvir seu comentário certeiro, de menos de 2 minutos, clique aqui.