7.3.07

Carta de Saudação

Desculpe o jeito, mas sou informal em tudo. Já me disseram que isso vai me custar caro, que o mundo real, o do trabalho (aliás, escasso toda a vida nos dias de hoje), exige formalidade. Que não vou ascender, serei apenas esse sujeitinho simpático e solícito, nunca chefe, doutor, essas qualificações filhas do formalismo. Sou assim, e meus quarenta e cinco anos me levam a desconfiar que perduro nessa até rachar, ou melhor, morrer (além de informal, ser cheio de metáforas é demais para o propósito dessa singela carta de saudação).


Posto isso... Ô, Bush, chega mais, toma um café.
Cara, fico olhando de longe, você na TV, eu estatelado no sofá, cansado do vaivém cotidiano, e me pego pensando: macacos me mordam, esse sujeito é o bicho chupando manga. (Fui dominado pelas metáforas. Agora paciência.) Você não tá nem aí para o efeito estufa. Você quer mais é meter tiro nesse povaréu muçulmano. Também naquele de olhinhos fechados, não só os coreanos — bem sei, os seus, Bush, olhinhos de igual modo meio fechados não me enganam —também os chineses. Sua pança engole uma China se (os chineses e o resto do mundo) vacilarem. Com PIB grande, crescente ou não, e tudo. Tome cuidado com o muro: mamãe disse que embrulha o estômago comer pedra. Não, claro, ela não disse para mim, avisava a um pobre coitado faminto que se interessava por um tijolo largado na rua. Mamãe é terrível, excessivamente sensata, até com esfomeados ela se mete a ser a sensatez em pessoa. Nisso vocês se parecem.

Esta carta, escrevo-a para lhe dar as boas-vindas. São Paulo é o Brasil. Se você ficar só aí nas bandas da Avenida Paulista, vai pensar que falamos inglês, que somos um exército de reserva convocável para acabar logo com essa bobagem de Cháves na vizinha Venezuela (além de achar que o trânsito da cidade é uma beleza). Agora, dê uns passinhos pra lá e outros pra cá, leves, dançantes, ora, ora, o cu do mundo também está encravado na metrópole brasileira. Por mais que minha mãe tente, mesmo na rica São Paulo, a nau dos insensatos insiste em beliscar um tijolinho, em mascar piche. Talvez você não se assuste por conta de lá nos States encontrar gente como essa, que parece existir apenas para manchar nossa reputação. Tudo leva a crer que a escolha por São Paulo foi acertadíssima, é a nossa metade mais aproximada da América. (Você não se orgulha de América ter se tornado sinônimo de Estados Unidos da América? Nós aqui, não faço rodeios, temos uma certa implicância com isso, não sei bem a razão, mas achamos também que somos da América. Imagine que os professores nos ensinam isso no colégio. E confirmam na universidade).

Talvez você, Bush filho, já tenha ouvido falar do Rio de Janeiro. Seria o lugar ideal para vir. Seu antecedente, aquele democrata chegado a estagiárias, veio aqui e caiu na farra; no samba, compreende? No entanto, desaconselho a visita por estarmos atualmente em guerra. Não contra muçulmanos. Nem contra judeus. Nem contra bárbaros de qualquer espécie. Lutamos contra os monstros que cultivamos em 500 anos de história e que, veja a loucura, resolveram fugir da jaula e, mais do que isso, colocar os que estamos fora dentro. Para dar uma espiada na beleza carioca, peça a seu avião para dar um rasante pela cidade. Pode descer atirando, existirão aqueles que o aplaudirão. Nem lhe digo para tomar cuidado, mas tome, com a criançada que, indiferente aos caos, dá suas estilingadas e solta pipa com cerol. Agora, não perca a esportiva à toa, carioca é fogo, chegado a dar apelido de primeira, no improviso. Não estranharia se referissem a você como Bush de Canhão. Essa turma não se emenda.


Bem, Bushinho, a carta é singela, até mesmo um pouco doidinha, escrita fora do riscado da razão, mas o objetivo dela é, além de lhe dar as boas-vindas, alertando-o para nossas características particulares, que nós mesmos chamamos de tupiniquim, também lhe dizer que vejo em você a encarnação daqueles personagens de desenho animado e seriado de heróis, todos made in USA. Falo daqueles que riem muito, e como riem! Uma risada forte, que diz tudo. Já sacou? Não? Pô, Bush, Bushinho, tô falando dos caras do mal. Daqueles que querem acabar com o mundo. Você é igualzinho. Nem precisa do risadão, basta fechar seus olhinhos e corar a bochecha.
Em algum momento da vida, comecei a acreditar que isso de bem e mal é uma simplificação; maniqueísmo, como dizem. Mas, ilustre visitante, se você não é o mal, o que seria?

Bem-vindo.

PS. Por favor, filho do Bush, Bush igual, não me vá ter uma recaída com o álcool brasileiro.