Tenho estado com pessoas com quem só me relacionava pela rede social. É incrível, elas existem. Uma tem nariz bem torneado, o que não quer dizer que seja bonita; outra, orelha grande, o que não quer dizer que seja feia. Tem aquela cuja beleza não passa de um filtro; e aquela que é alta – como eu poderia imaginar? Uma, apesar de poeta, de boa poeta, é chata. Já outra, coitada, péssima no verso, na prosa, na piadinha que faz para agradar, é uma simpatia sem fim.
Continuamos tridimensionais, no corpo, e complexos, na
essência. Não deixa de ser uma esperança. Afinal de contas, o mundo das redes é
um sugador insaciável de nossa humanidade e, se é forte dizer que nos escraviza
– melhor deixar a palavra para o que ela de fato representa, a exploração aviltante
do trabalho, o uso do castigo físico e o rapto da liberdade –, cabe dizer que
nos torna dependentes. Um vício. Injeta-nos uma droga que, antes de destruir o
corpo, destrói a cuca. Sem um like, não vivemos mais e, para conquistá-lo,
caprichamos nas fotos e escondemos as complicações.
Nos livros, encontramos personagens bastante intricadas, mas
elas estão presas a determinadas situações, que se repetem a cada leitura. Raskólnikov,
de “Crime e Castigo”, não pode marcar um encontro com um dos leitores,
desabafar, contar de seus planos de crime e, quem sabe, ouvir o outro e recuar da
jornada de autodestruição e castigo. Tampouco Dmitri, o mais velho dos irmãos
Karamázov, consegue abandonar sua existência de palavras e, pedindo que lhe paguem
um chope, quer dizer, uma vodca, dialogar com quem, por ser mero espectador de
seus dramas, é capaz de alertá-lo de que só se amassa o pão depois de colhido e
preparado o trigo. Cito dois personagens de Fiódor Dostoiévski por ser ele um
autor conhecido por criar personagens mais humanos do que qualquer um de nós.
Na rede social, somos as personagens. Eu faço o bobo; fulano, o militante; a universitária, a sedutora; o rapazote, o poeta romântico; o tiozão, o defensor dos bons costumes – todos lineares e em busca de uma dose de like. Mas é possível que, num chope, eu não seja tão bobo assim e o tiozão, na terceira tulipa, nos revele que, não sempre, mas também não em tão raras vezes, dorme de conchinha com um sobrinho ocasional.
Se o romance é um espelho que, ao nos refletir quase em minúcia, nos assusta, a rede social é um espaço sem meio-termo, de onde o contraditório (não confundir com treta) foi expulso. No romance, o autor torna complexo o já complexo; na rede social, enxuga-se o simples até que só lhe reste o simplório.