26.1.10

A inviável harmonia da vida

BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação -  Folha de São Paulo (5/12/1995)

Nada mal para um autor ter o livro de estréia prefaciado por João Gilberto Noll.

O aval de um escritor de peso, embora não signifique por si só garantia de excelência, torna a leitura da obra em questão quase obrigatória para quem se interessa pela atual produção literária no Brasil.

Em "Contos de Homem", Alexandre Brandão, 34, mineiro radicado no Rio, conseguiu a façanha _e a obra, para crédito do prefaciador e apesar da horripilante capa, não decepciona.

O livro é dividido em três partes. A primeira, "Duas Senhas Básicas", traz dez contos erguidos sobre uma estrutura, digamos, tradicional, em sua forma. O que neles mais toca o leitor _e toca forte_ é seu aspecto onírico, meio gosmento, radicalmente amargo e um tanto sanguinolento, fazendo lembrar _não por acaso_ "A Fúria do Corpo", primeiro romance de Noll.

Em "O Corpo Não Tem Memória", por exemplo, um homem se vê castrado e nos leva a mergulhar numa existência de "terceiro sexo", complicada, inaceitável até, mas mais próxima do que significaria um ser humano "ideal". Leia o seguinte trecho de "Encontro na Madrugada sem Lua", expressão do mesmo clima: "Agora sou eu. Beijo sua testa gelada. Podendo fazer mais, faço. Ponho o coração na boca e o mordo. O gosto é amargo, quase intragável. Para o que quero, a fome é maior. Engulo os braços, pêlos, olhos. Os nervos entram em meus dentes, sangrando a gengiva."

Não há meio termo: ou se gosta ou se abandona o livro de cara _o que não deixa de ser meritório para um autor que se apresenta como alguém cuja intenção é não fazer concessões.

Mas terá valido a pena ir adiante, ao menos para ler "Missa do Galo" (nova reelaboração do original machadiano), em que se afirma: "Mas antes da larva e casulo, a primeira quinta-feira, o café da manhã com mamãe. Acompanhou-me um vulto branco; longe de ser fantasma ou culpa, era o que não digo. Não por pecaminoso ou ridículo, mas para não perdê-lo".

A segunda parte, "Escurecimento do Material Poetográfico", talvez seja, como bloco, a melhor do livro de Brandão. São sete textos curtos, com destaque para a curiosa "A Quadrilha do Drummond", mistura do famoso poema do poeta mineiro com o clima da música "Sinal Fechado", de Paulinho da Viola: diálogos e vozes interiores simultâneas, com inúmeras iras e segundas intenções num trânsito engarrafado.

Por fim, em "Uma Só Confissão de Outras Tantas", a terceira parte, Brandão dá um (pequeno) espaço para o lirismo urbano e juvenil, ainda que, prisioneiro de seu gosto pela felicidade ausente, espete-o sem piedade página por página.

No conjunto do livro, assim, predominam o desencontro, o amor impossível, o ódio como "mola propulsora da vida", a entidade do sexo como incontornável tormento existencial. Tudo isso, numa linguagem que busca constantemente o poético, embora manchado de plasmas e pus e sangue.

No prefácio, João Gilberto Noll afirma: "...como profundo escritor quer muito além, quer por exemplo revolver e reavivar o drama humano com uma espécie de humor irado, quase bélico _este, sim, pertencente ao veneno purificador do ato artístico, esta experiência cheia de barbárie e estranheza e que toca, destemida, a nossa mais íntima e encoberta natureza".

PS: O livro marca a estréia de uma nova editora, a Aldebarã. Que seja bem-vinda!

A OBRA
Contos de Homem, de Alexandre Brandão. 143 págs. Editora Aldebarã (Travessa
do Passo, 23, sala 507, Rio de Janeiro, CEP 20010-170, tel. 021/220-6409). R$
15,00

Os dramas e gargalos do mundo da criação


Ronaldo Cagiano é escritor

26/01/2010


Um olhar sobre a realidade cultural contemporânea, principalmente  a que sobrevive a reboque dos fenômenos de comunicação de massa, como a internet, o cinema e a literatura, são objetos do novo livro de Alexandre Brandão, que enfeixa duas novelas em A câmara e a pena (Ed. Cais Pharoux, Rio, 2009, 156 pgs).

Mineiro de Passos, com uma obra já madura e reconhecida, Brandão nesse novo livro discute o mundo da produção artística, tratando de questões ligadas aos seus impasses e entraves, como também de situações que muitas vezes exteriorizam as vaidades e carências individuais,

Na primeira história, Um pouco mais que um diretor, o Alexandre penetra o quotidiano de um set de filmagem. Aos poucos, o leitor desnuda um ambiente em que sobressaem as nuances de uma produção cinematográfica, com todo o percurso técnico, os tropeços de uma filmagem e a transposição realidade-ficção, quando o simbiótico encontro entre subjetividade e técnica acaba por expor o exaustivo trabalho de preparo e direção de um filme e denuncia as dificuldades de se fazer cinema num País que ainda não conta com o aparato tecnológico e o aporte financeiro das grandes companhias do primeiro mundo.

Já Em torno de uma xícara de café, o tema da criação literária é abordado por meio encontros semanais de um grupo de candidatos a escritores, que usam as novas ferramentas de mídia para divulgarem suas obras – como blogs e internet – lutam contra os gargalos de distribuição, a insensibilidade da crítica e os guetos editoriais. Nessa novela, que enceta uma oportuna reflexão e questionamento sobre o meio literário vigente, destaque para os conflitos, egos, interesses e anseios que permeiam a relação dos escritores contemporâneos com esse metiê. Aqui, espelha-se o que comumente acontece: circulam personagens que reverberam os sonhos e preocupações de  gente em busca não apenas de uma identidade ou um estilo literário, mas para ter voz e vez num sistema editorial cada vez mais competitivo e concentrado no mercado, cujo espaço é partilhado pelas panelinhas bafejadas nos cadernos de cultura da grande imprensa, que impõem condições cada vez mais fechadas e apaniguadoras. Entre as questões suscitadas pelo autor, ainda aparecem sutilmente os fantasmas da ditadura militar na pele de um dos protagonistas, um dos escritores do grupo, quando descobertas suas ligações com golpe que instaurou a ditadura militar (1964-198).

Com A câmara e a pena na mão, Alexandre Brandão incide o foco e a escritura, com sutileza, poesia e uma profunda e tensa percepção dos dramas e conflitos contemporâneos, tocando naquilo que é inerente à condição humana, como a vida, o tempo, as frustrações e os fracassos da vida artística e cultural. Não é um livro sobre os recalques de escritor ou de diretor de cinema, é um consciencioso mergulho nas águas da solidão e da necessidade de sobrevivência pessoal e intelectual que são parte da trajetória de quem se aventura a fazer arte numa época cada vez mais estereotipado pelos fetiches do deus mercado e as seduções da mídia, nesse tempo que, como diria o saudoso José Paulo Paes, está povoado de “vidiotas e internéscios”, relegando a existência (pessoal e literária) à banalização ou à morte.

Com essa terceira e bem sucedida incursão ficcional, recorrendo a ícones geracionais numa obra que fala sobre livros e sobre as demandas que norteiam o processo criativo nas diversas linguagens, Alexandre Brandão assegura seu lugar no afunilado cenário da literatura brasileira. E, com talento, originalidade e uma mirada peculiar sobre a nossa realidade, sem dúvida, figura entre os grandes nomes da atual prosa brasileira.


10.1.10

As particularidades de janeiro

Janeiro é o mês que nos pega com um pé em dezembro e outro em fevereiro. Não se quer dizer com isso que seja desprezível. Muitas pessoas nascem nele: lembro-me de meu sobrinho mais velho, de três amigos e da filha de um deles, além de minha sogra (calem-se: a minha não está na categoria das sogras das piadas). Para quase todo o mundo, é o período de férias. Há coisa melhor do que férias?
É verdade que alguns confundem o mês à temporada das ressacas. Nada mais errado, ainda que as ressacas de janeiro sejam como as chuvas de março: inesquecíveis. Calha então de janeiro ser mês de promessas. Não bebo mais. Nem como. Não pulo cerca. Não cerco Lourenço.
Na realidade, promessas, muitas, foram feitas em dezembro, mas as de janeiro dão as mãos ao Remorso, são promessas sobre promessas, portanto, é o momento em que o Fracasso passa a pilotar o destino. Por isso, lavam-se as escadas das igrejas de Salvador. E chove tanto. E o calor finge que não é com ele.
Não há frutas de janeiro. Tampouco flores. Em compensação, aflora-se a sexualidade juvenil. Os professores tiram o jaleco.
Em janeiro, envergonhada, a celulite ganha as praias, e as cachoeiras não escondem suas trombas d’água. O avaro rói a unha para economizar as mangas tardias. Uma penca de meninas destrói as bonecas que o Natal esqueceu sob as árvores de suas casas.
Em janeiro, o alcoólatra toma juízo. Às vezes, com vermute, na calada das noites pequenas e intensas. A lua, por seu turno, ilumina a noite porque esse é seu destino. Por ela, regurgitava o calor medonho do sol e recolhia-se à escuridão de sua vizinhança.
Não se dança bolero em janeiro. Os apaixonados perdem-se no iê-iê-iê, e os desesperados, apaixonados ou não, descrentes com certeza, jogam búzios e deixam trabalhos malfeitos em esquinas inocentes.
A desmemoriada tenta nas quatro segundas-feiras de janeiro, nas quatro terças, mas não em todos os domingos, decorar o samba enredo do Salgueiro, esquecendo-se que desfilará na Mangueira.
O mar, esse incansável, espreita os bobos e dá-lhes caldos, alguns mortais. Sem saber a situação na qual lhe foi enviado o brinde, Iemanjá agradece, soprando as costas do Brasil com seu bafo sensual. Janeiro é um deus-nos-acuda, com orgasmos ao meio-dia e quase orgasmos em horas impróprias.
Janeiro é começo, logo, nele engatinhamos sem fraldas, ainda que precisando bastante delas. Em que outro mês os cobertores poderiam ganhar o direito de tomar sol nas áreas minúsculas dos apartamentos minúsculos?



Os neuróticos entram em parafuso, pois seus analistas estarão de férias. O padre reza missas sem cuecas. Tudo no primeiro mês do ano.
Os presos se odeiam em janeiro e, por isso, abandonam seus comandos. É o mês do indivíduo. Mas é também o mês em que o prefeito, o governador e o presidente tomam posse. O povo ensaia uma esperança, mas guarda-a para depois do carnaval, pois lá fora um bloco do sujo grita por seu nome.
Os homens, achando-se felizes ou até mesmo sendo, vão ser reis momos. Tudo indica que em fevereiro, raramente em março. Paciência. Dedica-se janeiro à preparação.

Num sábado, estávamos todos lá

Ieda Magri, Folha Carioca, Setembro de 2007

Conheci Alexandre Brandão num jantar de trabalho na casa do Paulo, editor deste nosso jornal. Calado, quase não falou a noite toda. Achei-o meigo, doce até. Uma amiga comum, Lilibeth, nos apresentou e  ele me presenteou com dois de seus livros Contos de Homem (1995) e Estão todos aqui (2005). Fiquei entusiasmada com duas coisas antes de abrir os livros: o primeiro tem prefácio de João Gilberto Noll, autor que gosto muito e um dos primeiros que indiquei nesta coluna; o segundo pela semelhança do título com o de meu livro que estava no prelo: Tinha uma coisa aqui. Ele plural, eu singular. Se o jantar não estivesse tão bom e se os olhos de D. Maria Helena não me penetrassem tão fundo, eu teria me despedido de todos naquela hora e me trancado em casa para descobrir os livros.

Mas era sábado à noite e desconfiei que minha curiosidade podia esperar. Tive uma conversa longa com D. Maria Helena, mulher adorável e misteriosa; fui com ela até sua casa e me despedi com a promessa de visitá-la em breve. As histórias que me contou com o cuidado de deixar sempre algum detalhe em suspenso me levarão de volta à sua casa. Eu não sabia ainda que esse mistério pendurado em qualquer canto dos olhos de D. Maria Helena, o mesmo emprestado às histórias que me contava, estaria presente de forma inequívoca nos contos de Alexandre Brandão, e muito menos que pudesse arrancar daquele seu jeito doce, uma fúria tão louca como a que vi, principalmente em Contos de Homem.

Não dá pra falar de todos os contos desse livro riquíssimo, cada um sempre com um susto, um punhal, alguma força inesperada que avança por trás das palavras, adiando o desfecho da narrativa e surpreendendo o leitor. De dois gostei em especial: “A novidade” e “A primeira leitura.”. No primeiro um narrador conta a história de um primo suicida, Gabriel, que depois de várias tentativas frustradas consegue, com auxílio de um manual, passar para o que ele chama de segundo plano. De lá, corresponde-se com o primo dando detalhes da vida após a morte. A fina ironia desse conto, em que vislumbramos até mesmo uma conversa com Borges, é genial. É essa ironia que marca também o outro conto que me tocou profundamente. Trata-se de uma releitura, ou de uma vivência mesmo, por parte do personagem Maurício, do romance Dom Casmurro de Machado de Assis. Maurício fica perturbado na primeira leitura do livro e entrevê Capitu nos olhos de ressaca de Luma e a desfaçatez de Escobar no seu amigo Sabão. É Baco, o pivete, o menino de rua que se torna um amigo, o único que dança meio alheio à história real, mas confidente imediato do que se passa no romance. Sentimos, na leitura, que a linha tênue entre o fato e a ficção pode ser borrada a qualquer momento e, como no romance de Machado, procuramos saber logo o que  se passa entre os amigos adolescentes de 18 anos. O espaço que há entre a primeira e a segunda leitura  do romance é a medida do acontecimento e da agonia de Maurício.

De Estão todos aqui escolhi destacar o último conto, “Todas as fichas.” Nele alguns vagabundos ganham a vida em suas trapaças noturnas. Jogadores profissionais, mas também meio bandidos, já que acabam se metendo, uns ao acaso e outros de maneira muito pensada, em crimes pesados. Galhardo, sem dúvida o mais humano do grupo, é o primeiro que vislumbramos no início da narrativa: jogando cartas no que chama de “a mesa dos sonhos”, formada por profissionais gabaritados. Está às voltas com um sanduíche que contempla como se fosse uma promessa boa. O sanduíche dá o tom do que vai na mesa de jogo: “cheiro de carne viva no boi finado, acebolado e frito.” O clima de perigo que ronda a mesa e a vida desses jogadores, junto com a imensa humanidade desse homem que joga e ama, lembra a fineza da escrita de João Antônio, outro escritor que indiquei nesta coluna e que gosto demais. Meio conto policial, meio outra coisa, beira de vivência e vida pulsando, a rotina desses marginais - em todos os sentidos da palavra – merece ser lida pausadamente de modo a revelar a força da escrita contida do autor.


Embora os contos que escolhi façam referência a outros escritores (“Todas as Fichas” se abre com uma citação de Macário de  Álvares de Azevedo), não há vestígios de eruditismo nos contos de Alexandre. Penso que quando não são bem manejadas, as referências às obras e aos escritores consagrados se convertem em pedantismo ou falsa erudição, como se o autor tivesse que provar que leu, que conhece, etc. Quando me deparo com um livro desses, que insiste em marcar pesadamente certas referências, mostrando o tom falso que há por trás da teia da escrita, faço como o bibliotecário Lúcio: ao inferno! Não é o caso de Alexandre. Como os olhos de D. Maria Helena, seus contos mostram até onde a cumplicidade do leitor alcança.

A realidade é só um detalhe

Carlos Herculano Lopes, Estado de Minas, Caderno Cultura, em 4/06/2009


Mineiro de Passos, vivendo há 30 anos no Rio de Janeiro, o escritor Alexandre Brandão está com livro novo na praça. Ele lança hoje, em Belo Horizonte, no Agosto Butiquim, no Prado, A câmara e a pena (Editora Cais Pharoux, 160 páginas, R$ 30), que traz duas novelas: Um pouco mais que um diretor e Em torno de uma xícara de café.

A primeira novela, segundo Brandão, gira em torno de uma filmagem, sob a direção de um estreante. Só que essa filmagem esbarra na incapacidade da equipe em dar sequência ao projeto, devido a vários problemas. Já a segunda acompanha um grupo de escritores que, fugindo de uma oficina literária, resolve trocar seus textos e encontrar-se periodicamente para discuti-los. “As coisas vão andar, haverá discussões, quase cisões, mas depois tomarão um rumo peculiar com a chegada de um casal de velhos que, no início, ficará de longe observando o trabalho ruidoso daquele bando e, mais tarde, interagindo com eles, alterará a vida de todos”, conta o autor.

Este é o terceiro livro de Alexandre Brandão, que já publicou a antologia Contos de homem (com prefácio de João Gilberto Noll) e Estão todos aqui. Ele revela que começou a escrever ainda em Passos, onde viveu até os 15 anos. Espelhava-se em autores da terra, como José Alexandre Marino, Antônio Barreto e Marco Túlio Costa, dos quais foi se aproximando. “Depois ficamos amigos, e foi Barreto, inclusive, quem sugeriu ao pessoal do Suplemento Literário de Minas Gerais que publicasse alguns textos meus. Mais tarde, Marco Túlio me convidou para escrever uma crônica semanal num jornal que ele editava lá em Passos. Passei a dividir o espaço com o Marino, e fechamos o círculo”, lembra Brandão.

Leitor de Machado de Assis, Ernesto Sábato, Júlio Cortázar, Guimarães Rosa, Dostoievski, Luís Vilela, Graciliano Ramos e tantos outros, Alexandre Brandão confessa ainda que, ao criar suas histórias, quase nunca busca inspiração em fatos reais. Quando isso ocorre é apenas um detalhe ou outro que tira do cotidiano, para pontuar algum aspecto da narrativa. “Mas por incrível que pareça, no caso das duas novelas de A câmara e a pena, há muitas vivências minhas, ainda que nenhuma das tramas narradas tenha ocorrido realmente. Minha mulher trabalhou um bom tempo com cinema. Daí eu intuir um pouco como funciona esse mundo. Claro que é apenas intuição, mas aproveitei um pouco dela para fazer literatura.”

Além de se dedicar à ficção e à economia, como funcionário do IBGE, Alexandre Brandão criou o  www.noosso.blogspot.com, embora confesse não ser um entusiasta da internet em se tratando da escrita. “Quando comecei a fazer crônicas para o jornal de Passos e para um outro, de bairro, aqui no Rio, achei que poderiam também ficar registradas em um blog”, explica. “No meu caso, ele só é conhecido pelos amigos mais próximos. Vez ou outra é que recebo a visita de um estranho ou do amigo de um amigo. Mas vejo que existe um movimento intenso nesse espaço virtual. Autores ‘nascem’ ali e depois migram para o livro. Existem sites que são interessantes. Verdadeiras revistas literárias. O meu é caseiro.”

A câmara e a pena
Lançamento do livro de Alexandre Brandão, hoje, às 19h, no Agosto Butiquim (Rua Esmeraldas, 298, Prado). Entrada franca. Informações: (31) 3337-6825 

Narrativas que propõem ciladas e interrogações


Cristina Zarur - Prosa e Verso, O Globo, em 25/06/2005.

Em novos contos, Alexandre Brandão examina o cotidiano


Quatro contos e uma novela compõem “Estão todos aqui”, livro de Alexandre Brandão lançado pela coleção Novo Conto Novo da editora Bom Texto. Mas seria ele um novato, que só agora dá a cara e as palavras ao cenário literário? Há dez anos o escritor publicou “Contos de homens”, cuja apresentação de João Gilberto Noll alertava: “Alexandre Brandão não vem apressado para os líricos abandonos da raça; ele reluta em aderir sem mais às liturgias primordiais que a tudo consolam, pois como profundo escritor quer muito além, quer por exemplo revolver e reavivar o drama humano com uma espécie de humor irado, quase bélico... ”
Não é à toa que Brandão dedica neste novo livro suas “armadilhas e fugas” ao tempo. O hiato de dez anos entre uma publicação e outra modificam a dicção do escritor? Talvez o grisalho dos cabelos e o bater em portas de editoras sejam fatores de desalento. Mas não. Esse mineiro de Passos, economista de poética matemática, enreda uma prosa que propõe ciladas ao leitor.
“Estão todos aqui” são textos de amores e interrogações. Por meio de um gesto, de uma palavra ou do silêncio, os personagens (e narrador) indagam sobre a própria veracidade dos fatos. Será? Talvez? São questões que pontuam os textos de Brandão, nos quais se tece uma realidade palpável, não uma precária metafísica. Narrativas que interpelam o real a todo momento.


Esperanças diferenciam e irmanam os homens

Em “Outra fila brasileira”, Brandão coloca a lupa no cotidiano, fundindo interior e exterior, particular e universal. Assim, Lívia, a protagonista do conto, vivencia um drama comum a tantos: a burocracia das filas onde as mazelas socioeconômicas perfilam os excluídos. Porém, se as esperanças diferenciam os homens, também os irmanam. Em “Domingo cuidamos dos filhos”, um pai se vê em apuros diante das desconcertantes perguntas de Carla, a amiguinha do filho. O que parecia ser um prosaico domingo repleto de brincadeiras infantis, revela outras sutilezas: o abismo entre o macho e a fêmea.
Brandão não escorrega em dicotomias: encontros/desencontros, solitários/solidários, homem/mulher, pai/filho, cidade grande/interiorzão. O escritor propõe conexões e as coloca no embornal da ficção. Talvez a metáfora da totalidade se ajuste ao título do livro. “Estão todos aqui” aponta para a aglutinação e a fusão dos fragmentos da existência. Nesta ótica, a vida não é maniqueísta, e os personagens se tornam complexos.

Desponta um novo contista


Duílio Gomes (Estado de Minas, Segunda Seção, 12/11/1995)



A fonte do conto mineiro continua jorrando. A tradição desse gênero, nas Gerais, sempre fala mais alto, apesar dos modismos editoriais que insistem em formar mapas cronológicos para escolas, tendências, o escambau.

A bola da vez do conto mineiro se chama Alexandre Brandão. Mineiro de Passos, mora hoje no Rio. Para não fugir à regra literária, começa no short-story. E começa bem, como atesta o competente João Gilberto Noll na apresentação deste “Contos de Homem” (Ed. Aldebarã). Noll, que não costuma emprestar o seu aval com facilidade aos que metem o pé na estrada pela primeira vez, destaca as qualidades do contista mineiro e vê nele um talento emergente — “Alexandre Brandão não vem apressado para os líricos abandonos da raça...”

Brandão não emigrou de nenhum grupo ou geração. Não traz compromissos firmados com nomes ou tendências. Free-lancer, vem descobrindo sozinho os seus caminhos. Sua geração, a de 80, é a pós-tudo. E isso facilita a sua carpintaria. Seus relatos curtos possuem estilo próprio, não lembram fulano ou sicrano, não deixam pistas para o leitor ou crítico detectar seus filões iniciais. Esse mistério, muitas vezes, se torna virtude.


Luz Néon

Os 23 contos do volume vêm divididos em três grupos. As histórias são líricas, eróticas e, às vezes, se aventuram pelo poema em prosa. A poesia, aliás, está presente nessa prosa curta e funciona como luz néon na noite — norteia, pisca, mas não cega. A descoberta do sexo na infância, o duro aprendizado da vida, os conflitos do amor na maturidade, o êxtase, o delírio, a perplexidade: tudo forma, como tijolos, um edifício pessoal, de grife. Os títulos são originais, curiosos “Extinção dos Jacarés”, “Felicidade em Dó Menor”, “Relato das Taturanas”, “Matemática Bufa”. E o autor acaba fazendo, como pede o gênero, o lúdico essencial — reescreve Machado de Assis (“Missa do Galo”). Uma pequena amostra de que ele poderá voar mais alto brevemente no seu gênero inicial ou na novela, quem sabe no romance.

Nelson Vasconcelos, como João Gilberto Noll, também percebeu, nas entrelinhas, o talento de Alexandre Brandão (“A musicalidade deste livro não é para ser plugada em alto volume. É intimista, merece recato e falta de pressa.”)

O autor lança “Contos de Homem”, brevemente, em Passos. Depois autografa no Clube Ginástico, no Rio.