28.9.12

Ruim por ruim, não vote nimim


Amigos, venho pedir que não votem  nimim. Não sou homem sério. Não roubo, mas também não faço. Vivo metido com livros, achando chato o que está fora deles; a vida, afinal de contas.
Sou cheio de verdades e não aceito trocar minha opinião por cargo. Aos olhos de uma classe de políticos, sou intransigente. Gosto de ser convencido na lábia, quando então dou o braço a torcer sem nenhuma vergonha e também sem ônus para o vencedor.
Dou mais uma razão. Não engulo sapo. Rã, se bem temperadinha, ainda vá lá, mas sapo nem se o dito-cujo tiver porte de príncipe. Assim, o prefeito, meu chapa e correligionário, não vai ter garantida minha fidelidade na saúde e na doença. Pois, entre a doença financeira dele ou do partido e a saúde de quem votou em mim, fico contra o mandatário máximo. Posso parecer traidor, mas sou mesmo da laia do Grouxo Marx: não entro em clube que me aceita como sócio. Trocando em miúdos: tenho simpatias partidárias, mas não me filio a partido nenhum. Para quem ficou curioso: minhas simpatias se dividem entre partidos que, no quadro atual, se colocam como arqui-inimigos. Ou eu ou eles estamos doidões.
Pensando bem, nem se você quiser pode votar nimim. Como na música do João Bosco, não sou candidato a nada, meu negócio é madrugada com batuque na cozinha. Meu negócio é feito mais às claras que umbigo de vedete. (Expressão velha, em desuso. Qual o problema de umbigo à mostra? O que são vedetes?) Enfim, deixando as corcovas da língua de lado, não vote nimim porque sou boêmio, honesto e preguiçoso. Cruz, credo. (Esta expressão, eu acho, ainda se usa.)
Como não serei eleito, prometo continuar atento às meninas de minissaias, aos bêbados e suas filosofias, à velhinha com fogo nas ventas e, além de outros tantos, ao ex-pastor que se encontrou no álcool, nas drogas e no rock’n’roll. Prometo rir da própria desgraça e morrer de rir da alheia. Continuarei escrevendo minhas canalhices, se possível adornadas com as mais belas palavras, sejam elas as da moda sejam as semimortas, esquecidas nos dicionários. Enfim, serei fiel a mim, único jeito que meus amigos e inimigos gostam. Os amigos, por acharem divertido encontrar no mundo um sujeito confiável, apesar de vagabundo. Os inimigos, por acharem intolerável um vagabundo a quem não se pode confiar o segredo de uma tramoia.

Para acrescentar alguma informação relevante a esta crônica até aqui tão bobinha, farei uma revelação. Por favor, ajeite-se na cadeira. Pare um pouco e respire fundo. Tome uma água. Lá vai...
Fui cabo eleitoral do “Muito Bem” (1).
(Putz, sou mais antigo que Simca Chambord.)

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(1) Para quem não é de Passos, ou é, mas não conhece a figura, Muito Bem foi uma personagem folclórica da cidade. Vivia meio de porre e a tudo que lhe perguntavam respondia: muito bem. Não sei quando, foi candidato a vereador. Eu era jovem e torci e trabalhei (pelo menos no círculo familiar) por ele. Não lembro se ganhou (é provável que sim), nem sei que fim levou.

10.9.12

Todo mundo isso, todo mundo aquilo


Nunca saio de mim/Por isso sou só//Tenho uma camada de pó/Tomo remédios coloridos//Escuto com três ouvidos/E vejo com um olho só//Agora me olha e me diz/Se estou certo//Se sou mesmo este céu deserto (“Certeza sem nuvens e estrelas”, Rodrigo de Souza Leão)




Todo mundo arrasta uma simpatia por alguém que perdeu o prumo, saiu de órbita, bateu as asas para nunca mais pisar na terra — os lunáticos ou nefelibatas, os que mendigam o impalpável, os que se alimentam de luz. Todo mundo não se furta de bater papo com o doidivanas da praça, com a tresloucada que recolhe quinquilharias nas ruas do bairro. Todo mundo conta com sarcasmo as peripécias de um avô meio zureta. Todos estimamos, de fato, os que não saem de si.
Todo mundo comenta, com maldade e uma ponta de inveja, o nível de liberdade com que guia a própria vida a jovem atriz ou o marrento jogador de futebol. Liberdade uma ova, inveja-se o fato de um ou outro passar sem cerimônia por cima do que está longe de ser um reles cadáver. Todo mundo suspira pelo vilão charmoso da novela das nove. No fundo, todo mundo anseia uma aventura como a de disparar com o carro por avenidas impróprias à velocidade ou a de beber até dizer chega e enfrentar com ironia uma autoridade.
Todo mundo quer comer sem pagar. E quer cagar e andar pros problemas, pras dívidas, pro compromisso amoroso. Todo mundo deseja comprar uma passagem só de ida. Todo mundo preferiria agir antes de pensar. Em segredo, rimos do tombo alheio.
Não para aí, então continuo: todo mundo (eu, você e eles) gosta mesmo do politicamente incorreto, das piadas que caçoam das minorias, da cutucada dada nos que olham o mundo com inocência: os bem limpinhos e corteses. Todo mundo só pensa em sexo, nada disso de amor. Todo mundo acha que dinheiro roubado é dinheiro achado, logo, emite nota fria e lava dinheiro.
Todo mundo come de boca aberta. E prefere espancar a educar. Todo mundo gostaria que os outros morressem antes de chegar à velhice, que significa apenas despesa e demência. Todo mundo acha que os recados de seu intestino cheiram à flor. Todos, sem exceção.
No andar da carruagem, o império do eu-sozinho acabará triunfando. Os efeitos serão danosos, estou certo disso. E, preocupado — preocupado na mesma extensão com que me preocupo com o provável desastre ambiental que nos ronda —, lanço esse canto muitas vezes já cantado, inclusive por sábios. Canto que realça a importância do outro nas nossas vidas.

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Nisso de falar “todo mundo isso, todo mundo aquilo”, vem à minha memória nada tranchã certa história contada pelo cineasta Bigode (Luís Carlos Lacerda) sobre sua amiga Leila Diniz. Depois de uma apresentação — naqueles anos de chumbo da década de 1960 —, um militar adentra o camarim da atriz, leva-lhe flores. Ela, educada, agradece. O senhor então, em tom de ordem do dia, intima-a a jantar com ele. Leila recusa o convite — ou desobedece à ordenança. Ele, furioso: “Eu sei que você dá pra todo mundo.” Ela então: “Sim, dou pra todo mundo, mas não pra qualquer um.” 
Leila Diniz por Antonio Guerreiro (sem autorização do autor)


Leila Diniz, de fato, estava à frente do seu tempo. Quando vejo as manifestações recentes das mulheres lutando pelo direito de tomar posse política do próprio corpo, lembro-me dela. As “vadias” têm o espírito de Leila. Elas são a voz do outro, aquela que todo mundo deveria ouvir antes de falar ou de agir. Eu presto atenção nessa voz e me sinto feliz por estar vivo para isso.

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Amigos, saiu uma resenha de meu livro de crônicas (No Osso: Crônicas Selecionadas), escrita por Haron Gamal, na Folha Carioca. Para lê-la basta clicar aqui.
Aliás, a Folha Carioca passou a ser também um site. Venham visitá-lo, vale a pena. Entrem.