17.9.18

A facada

Não achei graça nenhuma na facada que o candidato à presidência do Brasil levou em Juiz de Fora.

Fiquei espantado com as reações. Algumas de alegria, outras de desconfiança em relação ao que havia acontecido. Para os partidários da desconfiança, um ato teatral, armação simples e pura.

Fiquei abestalhado com o fato de que os que estão do lado do candidato começaram a espalhar fotos montadas ligando o agressor ao Partido dos Trabalhadores. (Quem não se lembrou do sequestro de um empresário às vésperas da eleição de 1989, imediata e erradamente ligado ao partido?).

Não acho graça, já faz tempo que não venho achando graça. Nossas elites, no jogo sórdido do poder, têm conseguido destruir as instituições e, com isso, têm levado o cidadão ao desespero, a abraçar a ideia de que, para resolver as coisas, será preciso agir por si só, fazer justiça com as próprias mãos.

Não tenho nenhuma proximidade com o candidato esfaqueado. Jamais votarei nele. Aliás, num segundo turno, voto em qualquer outro contra ele, seja esse outro um candidato à direita ou à esquerda. Abomino as ideias que ele levanta. Quem externa o voto nele ainda acredita que o Estado possa cumprir seu papel na sociedade. São eleitores que estão devorados pelo medo, cegados pela falácia de que a violência derrotará a violência. Mas, de todo modo, fiéis aos rituais da democracia. Não sei se permanecerão assim por muito tempo, mas, enfim...

O doidivanas que esfaqueou o candidato representa uma outra classe, essa que eu disse há pouco, a dos justiceiros. Não são poucos os que estão desiludidos com a própria democracia. Para estes, ou se vai na faca ou se entrega tudo à ditadura. São os perigosos. Não rio quando eles agem.

3.9.18

As mortes do dia 20

No dia 20 de agosto de 2018, o Rio de Janeiro teve mais um dia daqueles terríveis. Matou-se nos quatro cantos da cidade. Sabemos quem são os mortos, os de sempre: negros, jovens, moradores da periferia, alguns que trabalham no tráfico, outros que simplesmente vivem ali onde o tráfico — e não só ele — está entrincheirado. Há um grito para que legalizem a pena de morte, mas ela, se não está legalizada, impera entre nós. Praticada pelo Estado, praticada pelo tráfico (pelo roubo, pelo sequestro). A pena de morte não resolve, temos prova suficiente disso, basta tirar o véu dos olhos. A violência não coíbe a violência, ao contrário, alimenta-a. Minha utopia, digo e redigo: desarmar a polícia, o Estado. A reação dos bandidos se daria no mesmo sentido, por que gastar tanto com armas se o outro lado não as tem mais? Meu leitor, você está lidando com um utópico, guarde um pouco de seu pragmatismo ao combater minhas ideias. Vamos nos alimentar de um sonho.
Querem reduzir a maioridade penal, pois, argumentam, as crianças estão carregadas de maldade e portam fuzis. Perguntar a razão disso não se pergunta. Isso de perguntar muito não leva a lugar nenhum. Melhor prender, arrebentar, dar um corretivo ou mesmo o corretivo final. Crianças? Que não vinguem. O fato é que muitas delas já estão encarceradas nos estabelecimentos que deveriam servir a sua reeducação. E essas crianças, um jornal do Rio de Janeiro, na véspera do 20 de agosto, mostrava, umas assassinam as outras. Essas crianças suicidam-se. Elas já recebem o tratamento que os senhores da violência imaginam ser a solução para o futuro do país. Em vez da violência, plantemos uma utopia. Vamos nos alimentar de um sonho.
Os que acreditam no chicote e na bala não são pessoas de diálogo, claro que não. Como seriam? Ouvir o outro pode significar baixar a mão, recolher o relho, tirar as balas da culatra e enfiar para sempre a arma no coldre, o coldre no lixo. Dar ouvido ao outro pode significar entendê-lo, dar-lhe razão. Mas como abandonar suas próprias razões, essas adquiridas não com reflexão, mas com experiência? Qual experiência? Ora, não venham com perguntas, eles não gostam de perguntas. Eles têm resposta. Mas respondem a quê, se não respondem a uma pergunta? Não respondem. O que fazem então? Reproduzem a ignorância alheia. Matem. O ladrão? Matem. A mulher que não baixa a cabeça? Matem. O pedinte? Matem. Deixemos que a morte faça o seu serviço sujo, ela existe para isso, não precisamos, feito Deus, agir por ela. Plantemos uma utopia. Vamos nos alimentar de um sonho.