Caio Junqueira Maciel
Publicado pela editora Urutau, o livro de poemas O sol pelo basculante, do mineiro Alexandre Brandão traz, entre algumas epígrafes, um verso de Drummond, de “A flor e a náusea”, que diz: “O sol consola os doentes e não os renova.” Se esse poema drummondiano está em Rosa do povo, é dali que busco outro, “Consolo na praia”, para alavancar melhor essa basculante solar do poeta de Passos, agora acariocado.
Drummond começa seu
poema assim: “Vamos, não chores.../ A infância está perdida./ A mocidade está
perdida./ Mas a vida não se perdeu.” No livro de Brandão, estruturado em 8
partes, a primeira vem justamente falar da infância, do “Menino de mim”. O
poeta fala de seu refúgio numa mangueira, do cavalo trotão e sua “tristeza
zaina”, das descobertas sensuais do corpo, da gambiarra vencendo a escuridão.
A segunda parte,
“Coração pequeno”, que também remete à equação drummondiana do coração vasto ou
pequeno diante do mundo, Alexandre branda versos que abordam primeira comunhão,
circo, celebração com chope, morte e o “pequeno infinito” que é o seu moleque
jogando basquete, “enterra seu seus sonhos e/ resgata, na entrada do garrafão/
a fé na vida.” Um poema elegíaco à morte de uma amiga fecha essa segunda parte,
em que a partida para o além significa em aceitação do voo.
“Diminutas sirenes”
batiza a terceira parte: aqui a natureza dá suas cartas, com formiga, montanha,
peixe, pássaros e até o prosaico pernilongo, o que porta as tais “diminutas
sirenes”. Depois, na quarta parte, vem o cortejo dos “poemas datados”, a tensão
da pandemia, o poeta diante da única via ou última quimera; o dia contendo mil
horas; o cheiro do medo. E há ali um poema de que gosto bem, é “meu canto”,
revisitação daquela frase bandeiriana que a poesia está nas estrelas e nos
chinelos. Alexandre canta sua havaiana marrom, sem uma das tiras, e, em vez de
tirar, põe de vez sua poética no cotidiano e com isso nos consola.
Na quinta parte, “O
azul não é um acontecimento”, contrabalançando com as sombras da pandemia, o
poeta exalta o prazer de estar vivo, o amor que resiste ao redemoinho, a busca
do sol não obstante haja a “destruição triunfante”. Porém, em outro texto,
afirma que é preciso reagir diante das montanhas de medo. Hesitando entre a
paralisia do azul e o movimento, o poeta traça seu mapa, inclui ausências e sai
em busca dos “Fantoches”, que é o nome da sexta parte. Se a poesia parte do
homem, do logos e do cosmos, esse bloco se estica ao mundo, seja Minas, Bagdá,
as guerras e as cidades. E as urgências, as urgências com relação às mortes estúpidas
provocadas por balas perdidas.
Na sétima parte, “Aqui
e ali do poema”, mesmo sabendo da dificuldade de se escrever poemas profundos,
o poeta sabe que palavra poética traz seu sol, é consolo, afaga a alma, traz
esperança. É preciso insistir com “palavra verso estrofe”, liberar trovões
reprimidos, “alfabetizar a lucidez do infinito.”
No epílogo, “Fuga em prosa”, mesclam-se os signos da prosa e da poesia. Poetas, crianças, cachorro, cidade. Que cessem os latidos, a caravana da poesia passa e traz o sol que nos consola, todas as vezes que um poeta refaz e renova o necessário ofício de lutar com as palavras.