30.12.13

Filosofias de botequim à moda antiga

Foto copiada do seguinte blog.

A vida, grã, é um trem grande demais da conta e passa rápido que nem avião. Às vezes se parece com um carrinho de sebo descendo pelo passeio da Bonsucesso, da esquina do doutor Breno até às raias do corgo — quarteirão mais íngreme da rua. Ou seja, vai zunindo e ainda deixa sebo na calçada, um risco para senhoras e senhores, andem de bengala ou não. Aquele moço de Cordisburgo, o tal Guimarães Rosa, dizia que viver é perigoso. Renga, se é. Por isso eu bebo. E bebo também porque, tonto, é mais fácil andar em corda bamba — ou em passeio torto ou ensebado.
Veja se concorda com a minha falta de ciência. Tem é coisa errada entre o aquém do Tula e o além da Praça do Rosário. Professor ganhar pouco. Polícia desrespeitar um sujeito só porque ele é preto ou pobre ou pobre e preto. Homem bater em mulher. Essas são graves, mas outras nem tão graves assim são também gravíssimas. Dono de botequim servir cerveja quente. Playboy ouvir no carro música no último volume (eu nos meus ontens). Mulher bater em homem. Cruz, credo!

Se existe um troço que não entendo é a falação que dentista arranja enquanto cuida da gente. O paciente — anestesiado, boca aberta por imposição e necessidade — não consegue responder, nem com movimento de cabeça. No máximo, mexe os olhinhos. E isso de mexer os olhinhos, Jesus Cristim, é estratégia de flerte no rela, não tem nada a ver com sim, não, talvez, pensando bem, palavras boas para entabular uma prosa. Dentista é chegado numa torturinha, já não bastassem os preços. Sai de mim, boi de Garça.
Nó, sô, me lembrei de uma dor de dente que tive num carnaval. Os dentistas todos lá pras Furnas e suas beiras. Ligo, no desespero, pro meu primo, o Cássio. Ele me atende no consultório e, sem desperdiçar palavras, abre meu dente. Era um canal, não poderia cuidar dele, pois, como eu logo voltaria ao Rio de Janeiro, não daria tempo. Milagre, só de abrir o dente a dor sumiu. Cassinho me explicou a química daquela maldição. Fiquei boquiaberto e despossuído de palavras ao saber que, presos entre as paredes do dente, alguns gases comprimidos provocavam, nas palavras do primo, a ondontalgia. Portanto, feito pessoa ou mesmo bicho, esses gases só precisavam de liberdade. Dentista é mesmo uma bênção, esqueça tudo quanto já foi dito antes.
As pernas da Martinha foram cantadas em marcha de carnaval. Eu alembro, das pernas e da música. O engraçado é que, logo de cara, a musiquinha insistia “Martinha, Martinha, está na hora de você entrar na linha”. Erraram de musa. Quem deveria entrar na linha são os lalaus de todos os naipes, esses blefadores de truco apostado com o dinheiro alheio. Se prefeito, secretário, vereador, deputado, senador, juiz, governador, presidente, esse mundaréu todo — seja do Manda-brasa ou da Arena, do Pato ou do Peru, seja vermelho ou de outra cor, tucano ou outro bicho — andasse nos trilhos, virge, o mundo, de tão leve, avoava. Sabe quando esses velhacos se emendam? Mané hoje, não; e nem amanhã.

Vorte! Tô que nem doido, mas não vario. Com a cabeça no “Bem bolado”, as costas na “Primor” e os pés no “Zé Feio”, dou um galeio, salto no lugar-nenhum e espio pela fechadura só pra ver se encontro mulher vestida. Resolvi devolver o nu pra imaginação. É difícil, mas eu coiso assim mesmo.

7.12.13

Pensando alto

No agora há muitos tempos. Enquanto alguns transitam na mais sofisticada banda de internet, outros não chegaram sequer ao telefone ou à luz elétrica. Enquanto a indústria diz estar pronta para oferecer roupas íntimas que não deixam escapar o pior de nossos cheiros, o esgoto ainda é uma realidade de poucos.
Sempre ouvi a história segundo a qual político não gosta de investir em esgoto porque é uma obra subterrânea e invisível. Preferem pontes, ruas, praças. Ou metrô, subterrâneo visível e transitável. No novo filme de Bruno Barreto, “Flores raras”, o foco é a relação amorosa entre a poeta americana Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, brasileira que, depois de botar a cara a tapa e convencer o governo da então Guanabara da importância da obra, comandou a criação do Parque do Flamengo — embora não fosse, como dá a entender o filme, arquiteta. Sob sua coordenação estavam nomes como Affonso Eduardo Reidy, Sérgio Bernardes, Burle Marx e outros tantos, estes, sim, donos das pranchetas que definiram a feição do parque. No filme, Lota aconselha Carlos Lacerda a esquecer essa coisa de esgoto e apostar numa obra vultosa, ao mesmo tempo bela e útil, neste caso para o lazer da população. Se foi licença poética do cineasta, não sei, mas não tenho dúvida de que a opção estivesse sobre a mesa. A situação do esgoto era mais aguda nos anos de 1960, quando se fez a obra, portanto, não havia como não estar em debate.

Foto do autor. Aterro, Rio de Janeiro.

Ganhamos todos com o Aterro, é certo. Mas muitos continuaram e continuam sofrendo das doenças causadas pela falta de esgoto e, de quebra, talvez poucos tenham desfrutado ou desfrutem ainda do parque.
Escrevo uma frase lugar-comum: viver é optar. Ou isso ou aquilo. A maneira como escolhemos, no Brasil, não tem sido feita de forma clara e democrática. Houve, e não sei como anda, o orçamento participativo nas gestões do PT em Porto Alegre, primeiro, e em outras cidades depois. A ideia é ótima. A população discute — em seus bairros e levando-se em consideração que não há dinheiro para tudo — se é melhor asfaltar uma rua ou colocar mais um poste de luz. Se houver a opção pelo poste, o asfalto da rua necessariamente ficará para amanhã (e não esquecido para sempre). Nunca a participação política foi tão radical. Nessa solução, problemas há aos montes (como se escolhe quem representa a comunidade? Quem fiscaliza a obra? Como tratar o descumprimento de um acordo por parte do município? Quanto do orçamento é, de fato, aberto à negociação?), mas o sujeito está metido até o talo nas questões de sua cidade.
A exposição de Sebastião Salgado, Gênesis, até há pouco tempo aqui no Rio — e agora em São Paulo —, é um registro de vários tempos no tempo presente. Acredito que o desenvolvimento também deve ter princípios. Isso quer dizer que as fronteiras agropecuárias têm de respeitar os aborígines, sua cultura, seu habitat natural (tão bem retratados por Salgado). Mas não vai faltar terreno para plantar e, com isso, alimentar sete bilhões de pessoas no mundo? Ora, vamos comer insetos. A ONU testa um projeto que transforma insetos em pó comível (tipo shake). Fonte fabulosa de proteína, essa criação requer pouco espaço. Não torçam o nariz, cedo ou tarde nos acostumaremos. Conheço gente que não se arrisca ainda hoje na culinária japonesa, mas, principalmente, os mais novos, aqui no Brasil mesmo, já nascem hábeis com o hashi, o pauzinho com que se come sushi ou yakisoba.
Ufa, me entusiasmei e disparei a falar feito um doido. Peço-lhe desculpas, leitor, mas é o Brasil que me tira do sério. Prometo não cometer erro semelhante outra vez. Agora vou me recolher e pensar baixinho um monte de coisas da pá virada, todas com um quê de pecado.