27.5.19

Minicrônicas para os nossos dias


Do diabo: “Há um lúcifer no fim do túnel”, me disse meu anjo da retaguarda. Fiquei aterrorizado e reagi com firmeza: “Não se brinca com esse tipo de coisa”. Lustrando suas asas, o anjo argumentou que sua função celestial o impedia de fazer brincadeiras.

A bala perdida: Os times estavam muito bem armados, razão pela qual não sobrou um zagueiro em pé. Os tiros saíram de todos os lados, e as vítimas caíram à direita, à esquerda, também pelo meio, onde, aliás, um bom centroavante poderia fazer uma graça. Pelo VAR, confirmou-se tardiamente, o único impedido era o juiz.

A nova sintaxe: O direito é um dever de todos, dos que devem e negam, dos que devem e não negam e, por fim, dos que não negam, não devem, não se endireitam e, assim mesmo, devedores ou diretores são. Que fique claro.

Pastor posto como chefe: Os buracos na rua com o tempo não serão mais buracos, serão ruas. Esta é a palavra sagrada. O resto é tormenta.

Willie Nelson: Eu disse ao Negão para nos sentarmos na mesa embaixo da foto do senhorzinho simpático, com certeza um texano valente. Pedimos nosso hambúrguer e, enquanto esperávamos, viramos memes.

Dois pesos e duas medidas: Para dar fim ao Supremo, basta um cabo, pode ser até de vassoura. Para matar um negro pobre, o exército e uma falsa guerra.

De volta ao paraíso: A lógica em torno do que está sendo feito com a educação é muito simples. Com um esforço mínimo, qualquer um entende. Vamos lá. Tudo começa lá atrás, quando não havia nem filosofia nem sociologia e o mundo era um paraíso, embora ninguém soubesse, pois o saber também não existia. Sendo assim, para voltar ao paraíso, nosso destino desde sempre, urge desaprender.

13.5.19

Lista de desejos

Escrever como se lesse.

Chorar para lavar os olhos, lavar os olhos para não cair de vez.

Não aceitar a maçã, voltar ao Paraíso, comer a maçã e ser expulso de lá.

Vender a mãe, entregar a sósia.

Apartar o sujeito de um verbo encrenqueiro com uma corajosa vírgula.

Piar para os passarinhos, miar para os passarinhos, latir para os passarinhos, viver entre eles.

Contar quantas vezes falei com carinho a palavra pai.

Financiar um miliciano que me proteja de mim.

Jogar amanhã na loteria de hoje. Não só acertar como ganhar a grana.

Dormir um pouco ressacado e acordar absolutamente bêbado.

Cortar os cabelos de Rapunzel enquanto, agarrado a eles, subo ao seu quarto.

Pedir exílio ao meu lado solar.

Conversar com estranhos coisas estranhas.

Cantar no chuveiro, ser aplaudido no Municipal.

Andar dez quilômetros, emagrecer cem.

Gerenciar o silêncio no grito.

Reatar a amizade do cravo com a rosa.

Rir daquele dia triste que começou com um riso.

Dirimir a dúvida dos sapos.

Voltar à civilidade.

Ler como se escrevesse.