29.8.11

Os Doces Bárbaros e alguma gente de Passos

Conversando com a rapaziada, alguém comentou que a Tininha se mudara para a casa nova, na Mamata. Era obra de vulto, pepita sem igual.
Fomos conferir. Tininha mostrou-nos cada um dos cômodos. O tour habitual. A surpresa veio depois, quando sentamos na sala e, de supetão, “Esotérico”, cantada pelos Doces Bárbaros, soou de dentro das paredes. Todos os alto-falantes eram embutidos, e o som brotava do nada.
Por que relembrei esse dia agora? Porque ouço os Doces Bárbaros. Reunião de Caetano, Gil, Bethânia e Gal, esse foi mais que um simples disco. A turnê ficou famosa porque pegaram o Gil fumando um desses cigarrinhos que papagaio não pita. Fecho com Fernando Henrique Cardoso: bobagem prender quem fuma baseado. Vamos cuidar de outra coisa?
Quem vê a Gal Costa agora talvez não saiba que, além da ótima cantora que foi e continua sendo, ela era uma gata de forçar gregos e troianos a tirar o chapéu. Lembro-me bem que o velho e bom seu Bacil — um desses comerciantes cuja venda garantia nosso arroz com feijão antes da chegada dos supermercados à cidade — era doido pela boca da Gal. Sábio homem.

(Encarte de Plural/Gal Costa - http://galcostafatal.blogspot.com)

Sábio e curioso. Certa vez, ele me mostrou um caderninho no qual anotava todos os seus gastos com gasolina. Estávamos no final da década de 1970 e havia anotações de pelo menos dez anos. Muito economista se regalaria com aquilo. Lembro também que ele colocou um prego na ponta de um cabo de vassoura, objeto com o qual espetava os papéis caídos no chão, o que deixava seu escritório, quase um santuário, impecável.
Adoro pessoas capazes de criar utensílios que facilitam a própria vida. São inventores informais, estimulados pela intuição e pela necessidade. Kaká, casado com minha prima Boinha, me contou que seu irmão Flavinho conserta as máquinas da fábrica deles sem nunca ter estudado mecânica ou coisa parecida. Que inveja! Eu não troco nem lâmpada, juro. Exagero, lâmpada, depois de superar um trauma, passei a trocar.
Era criança quando a Rita se casou. Na preparação da festa, meu irmão e meus primos furaram a terra do quintal lá de casa para colocar cerveja para gelar (cerveja, gelo e serragem). Em certa hora, levantei a lâmpada para fazer a luz chegar diretamente neles, mas, como chovia e eu estava descalço, levei um tremendo choque. Fui parar no hospital. Não sei se posso me apoiar nesse fato, mas é uma boa desculpa para explicar por que sou esse inútil nas tarefas antes reservadas aos homens: bater prego, consertar ferro elétrico, limpar a calha. Fui para a outra ponta: faço um sofrível macarrão, lavo louças e limpo bunda de criança. Tento também limpar a bunda das palavras. Ah, troco lâmpadas. 

(Ritual - David Manje - http://www.posterpal.com)

Vou aqui me perdendo, e a Bethânia acabou de cantar “Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante / De uma estrela que virá numa velocidade estonteante / E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante”. Já pensei bastante em como é que um índio desceria do céu. Logo um índio? Depois deixei de pensar nisso — mesmo porque a palavra índio é muito erudita, tem história — e fiquei atento à mensagem que esse índio traria. Segundo Caetano, o autor da música, o índio revelaria alguma coisa que está oculta e, uma vez descoberta, será óbvia. O que será? 



7.8.11

Pão Cântabro

Importante empresa brasileira varejista tem merecido destaque no noticiário por pretender associar-se a grupo multinacional atuante há anos aqui nos trópicos. A coisa até parece novela, haja vista que uma terceira empresa, também multinacional, noiva ou ex-noiva do grupo brasileiro, digamos assim, está se sentindo traída.
É briga de cachorro grande, quiabroquó que envolve dinheiro público, concentração econômica, portanto, potencial penalização do consumidor, além da decantada criação de uma forte empresa, capaz de concorrer não só no Brasil, mas mundo afora.
Se posso dizer alguma coisa a respeito do grupo brasileiro, e espero que não interfira em negociações cuja consequência soa tão importante para a economia planetária, é que ele, apesar de carregar doçura no nome, trata mal seus vizinhos. Afirmo isso a partir de experiência recente, ocorrida ali na Voluntários da Pátria, uma das artérias principais de Botafogo, bairro do Rio, cidade do Brasil, país da América do Sul.
Pois bem, resolveram, a partir da estratégia de mudar o selo (muda-se de nome, de roupa, mas não de jeito, coisa assim), fazer uma reforma na referida instalação — merecia, a loja estava uma caca. Só que a obra foi feita com o negócio funcionando (como uma empresa desse porte pode deixar de ganhar seus trocados, não é?). Isso acarretou o seguinte fato: os operários trabalhavam noite adentro. Claro, tirando o sono dos vizinhos.
Cheguei a escrever num “Fale conosco” disponível no site da empresa.  Não é que o gerente da loja — vendendo experiência (na matriz em São Paulo, na loja de Copacabana), dez anos no grupo — me ligou? Deitou promessas. Nenhuma delas se concretizou. Concluo que as mentiras dele, de fato, traduzem as mentiras da empresa. Não à toa o homem é gerente.
Reclamei na Defesa Civil (não havia, em lugar visível, uma placa dizendo qual empresa de engenharia respondia pela reforma), que foi lá, mas chegou à conclusão de que não era assunto de sua alçada. Faço uma confidência: não liguei direto para a Defesa Civil, foi direcionamento dado pelo atendente da Prefeitura (telefone 1746), alguém que deveria entender do riscado.
Um dia chamei a polícia. Era meia-noite e a turma mandava ver na serra elétrica e na furadeira. De casa, pude ouvir a PM chegar uma hora depois da denúncia (muito bom o atendimento do 190). Durante a próxima hora, reinou o silêncio, graças ao qual, dormi, exausto. Todavia, em seguida, quem acordou foi minha mulher. Os caras deram uma meia-trava, mas retomaram os trabalhos, certos de que a polícia não voltaria ou, se voltasse, tudo ficaria na mesma. Noutra noite, quem fez a denúncia foi minha filha. A história se repetiu.
Desdém e incompetência não estão reservados ao setor varejista. Veja este meu caso com um banco de origem espanhola que faz pouco tempo adquiriu outro do qual fui cliente até abril de 2010. A conta foi encerrada na mais absoluta normalidade, com assinaturas minha e do gerente da agência à qual estava ligado. Todavia, no mesmo período em que ocorriam as batidas de martelo e o escândalo da serra elétrica — sob o patrocínio do mercado brasileiro enrolado com dois franceses —, os correios me entregaram carta, enviada por esse banco, com cobrança de não sei que débito. Eu não honrava a dívida havia 12 meses; assim, graças ao passo alto de nossos juros trôpegos, a mesma eneplicara de valor. O que você faria numa situação dessas? Eu liguei pro banco.
Fui atendido por um sujeito bem treinado (nem fez uso do gerundismo da moda nos atendimentos corporativos). Confesso que perdi a paciência muito rápido, deixei-o no meio de uma frase pronta e liguei direto para a Ouvidoria. Qual o quê! A Ouvidoria só atende se o reclamante tiver um número de protocolo. Enfiei o rabo entre as pernas e dei um redial para o primeiro número. Surpresa: eles não dão número de protocolo, as conversas são gravadas, logo, antes de falar com a Ouvidoria, bastava ligar para o SAC e pedir a gravação. Gozavam da minha cara ou o tratamento dispensado expressa a legítima cultura do norte da Espanha?
Escrevi para um e-mail corporativo contando meu drama. Em resposta, mandaram-me – como, aliás, já o tinha feito o bom funcionário que não tem estado recorrendo ao gerundismo — ir... (ufa! Nessa hora pensei no pior.) à agência. Será que acham que estou desempregado (pensando a partir da conjuntura da Espanha) ou que sou vagabundo (pensando como brasileiro esnobe)? Vai saber. Respondi que não iria, não tinha tempo para isso. Anexei à mensagem cópia de parte da documentação de encerramento da minha relação com a instituição adquirida pelo banco das cantábrias. Disse-lhes que seria minha última cartada amistosa. Alguns e-mails depois e outra carta de cobrança enviada pela instituição financeira, pulei nos braços da justiça — antes gritei no “Reclame aqui”. O que será que vai dar? Na dúvida, rezo.
Santo André do Pão Docinho, que estais no varejo e no setor financeiro, espero a glória do bom funcionamento do capitalismo e não a farsa do caipiritalismo, isso que apela mais pro jeito do que pro direito. Não santifico teu nome, muito pelo contrário, ao passar em frente a teus estabelecimentos, faço figa e esconjuro, satanás. Não acredito apenas em teus concorrentes, por isso torço para que, como efeito colesterol, teu negócio afunde na gordura de tua abundância. Amém!