Lance mão de uma bengala. Apoio para pernas vacilantes e verdadeira
arma, a bengala, além de tudo, é um instrumento elegante.
Olhe-se no espelho até se dar por convencido de que é uma
pessoa razoável. Acumula erros, mas, igualmente, acertos. São poucos aqueles que
se quedam na dúvida defronte da chapa fria, pois, no mais das vezes, ninguém
abandona a si mesmo ao léu.
Lustre os sapatos ou as sandálias. Se estiver de havaianas,
preste bastante atenção nas unhas; se for o caso — e tendo em mente que
vermelho alimenta a falta de juízo própria e alheia —, no esmalte.
Antes de sair, coloque livros sobre a cabeça e ande ereto pela
sala. Não escolha livros pesados, na avaliação de uma balança, nem leves, em
conteúdo. É aconselhável simular dois passinhos de valsa, cantarolando aquela
velha canção.
Ligue para o telefone de um amigo, deixe-o atender,
certifique-se de que de fato é ele, e então desligue sem lhe dirigir a palavra.
O amigo, se tiver aparelho com bina, ligará de volta. Caso contrário, achará tratar-se
de mais um erro desse sistema telefônico que está por um triz. O importante é
você ter ligado sem errar o número. Sua memória está tinindo, ao contrário da
de muitos da sua geração. Viva! No entanto, se a ligação cair em telefone errado,
bem, o sistema telefônico anda mesmo por um triz.
Carranca do Museu de Artes e Ofício - BH/MG (foto própria) |
Antes de descer até a portaria, vá, de elevador ou de
escada, ao cume do prédio. Pode ser que a sorte lhe tenha reservado, ao fazer
esse caminho, um encontro capaz de dar uma sacudidela em sua vida. No caso de
morar em casa, troque portaria por portão. O caminho até o cume da casa, por
sua vez — particularmente nas casas térreas, de um só andar —, não reserva
surpresa alguma, esteja certo disso. Então, se morador ao rés do chão, pule
essa parte, corra ao portão e seja o que Deus quiser.
Museu de Artes e Ofícios - BH/MG (foto própria) |
Cumprimente as pessoas de forma silenciosa, apenas movendo a cabeça. Com isso, não se corre o risco de cair na armadilha ardilosa da entonação da voz, invariavelmente cheia de segundas intenções, e, ainda, ajeitam-se as ideias soltas e mal arranjadas no interior da cuca.
Tome café com o dedo mindinho esticado. Esteticamente é
aconselhável, mas não só isso. Em um momento de tédio, recolhe-se o dedinho,
tornando, com um simples gesto, menos aborrecidas a tarde, o dia, quiçá, a
vida.
Não alimente os santos com a danada da cachaça. Está provado
que eles não gostam de sexo, droga e rock’n’roll. Além do mais, as cachaças
andam pela hora da morte, ostentam grifes e ficaram caríssimas. Não desperdice
seu dinheiro, nem arrume inimigos no reino do céu.
A cada seis horas, como se fosse antibiótico, tome uma
atitude insuspeita. Se, por acaso, tal atitude não cheirar muito bem, trate de se
afastar do local do crime com um assobio preso à boca. Escolha uma melodia de
Wagner, compositor difícil e adulto, haja vista que parecer difícil e adulto poderá
livrá-lo de qualquer desconfiança das vítimas do futum.
Por
fim, uma crônica sem-noção é melhor do que má noticia, dessa forma, perdoe o
cronista e seja feliz — ou não.