Se tem alguma
coisa que o irrite é ser chamado de Emilinho, tratamento carinhoso que lhe grudou
logo na infância e, deixando de ser carinhoso, continuou até depois de ele se
tornar um respeitado jovem senhor. Onde já se viu? Tudo bem que o chamassem
assim quando era pequeno, afinal de contas Emílio é praticamente sinônimo de
circunspecção, qualidade que não se pode cobrar de uma criança, muito menos de
uma espevitada feito ele.
Mas, chegado
aos 12 anos, isso deveria ter tido um fim. Não teve no seio da família e, pior,
contagiou a roda de amigos. Os que frequentavam sua casa ouviram e levaram para
a escola, para o futebol. Ainda calhou de ter outro Emílio, bem mais forte e
alto, na mesma sala de aula. Emílio era o forte; ele, Emilinho.
E aos 15?
Mudança nenhuma, a coisa tinha criado raiz. Ah, Emilinho, me faz companhia. Pô,
Emilinho, deixa de ser fominha, passa essa bola. Só faltou alterarem o nome no
registro civil. Emilinho GM. Quanta crueldade.
Aos 18, começou
a cobrar a mudança. Ao entrar na faculdade, apresentava-se como Emílio e Emílio
ficou sendo até que reencontrou, na cantina, a antiga colega de ginásio, Célia;
cursariam, naquele semestre, uma matéria eletiva para ambos. Passaram a ir juntos
ao cinema, e um levou o outro para conhecer os amigos e, bem, Emilinho saiu da
boca de Célia, entrou pelo ouvido de todos e ecoou na faculdade. Emilinho do
Direito, isso, aquele crânio. Pois, diga-se a verdade, Emilinho era mesmo um
crânio, estudioso e perspicaz. Só não queria ser esse “inho”, mas era “inho”
que ele era.
No estágio, foi
Emilinho de cara, veja se um fedelho daquele seria outra coisa. E, se isso é
possível, mais Emilinho ficou sendo à medida que todos reconheciam suas habilidades,
seu potencial. Nossa, tão novo e tão capaz, eita, Emilinho. Contentava-se com o
fato de, na formalidade dos tratamentos no Fórum, chamarem-no de Emílio GM.
A primeira
namorada, que não foi a Célia, mas uma amiga dela, vejam só, Tininha, foi responsável
pelo pior momento de todo esse imbróglio. Quando os dois chegavam para o chope
ou à porta do cinema ou do clube, os amigos logo diziam que os “inhos” haviam
chegado, que poderiam então dar início aos festejos, ou entrar na sala, ou
mergulhar na piscina. O namoro não durou muito, e Emilinho se distanciou dos
amigos para ser Emílio na vida.
Foi, de fato
foi, mas não por muito tempo. Passou a ser chamado de doutor Emílio GM por
clientes, juízes e advogados em tribunais, acrescido ainda de um vossa senhoria.
Fora dali, Emilinho. Até mesmo a secretária — que, no início, cumpria todas as
formalidades dispensadas ao chefe — não resistiu quando passou a ter uma
segunda função na vida dele, a de namorada e, depois, de esposa. Primeiro nas
saidinhas de final de tarde, depois nos primeiros beijos e nos folguedos com
que brindavam os corpos, por fim, no próprio escritório, só o chamava de Emilinho.
Às vezes, meu Emilinho, noutras doutor Emilinho. Há de se dizer que, apaixonado
como nunca havia sido nem jamais seria, esse Emilinho saído da boca de Maria
Adelaide soava diferente, nem lhe feria o brio.
Eis que chegou a
paternidade, e era hora de dar um basta naquilo. Ninguém é filho de Emilinho. Bilu,
bilu, teteia, minha princesa Odalea, este aqui sou eu, seu papai, Emílio GM. A
neném deu aquela babadinha típica dos bebês, apertou o dedo do pai e, no que
não foi percebido, piscou com ironia os lindos olhinhos. Aos dois anos, chamava
o pai de Linho; aos quatro, de Lilinho; aos 15, de monsieur Milinho. O pai
morria pela filha, única, soberana, e só via amor em tudo.
A última de Emílio,
façamos seu gosto e o chamemos assim, foi pensar que, se na vida comum a coisa
fugira de seu controle, no mundo virtual, relativamente novo, em construção,
ele poderia fazer-se Emílio GM como de fato era. Criou perfil em todas as redes
com um maiusculíssimo EMÍLIO GM. Inteligente, planejou uma estratégia para
aparecer. Nadando numa onda que surgia, fez de seu perfil um destilador de
falsas acusações a políticos que insinuavam alguma preocupação social. Eram
todos comunistas, ateus, inimigos da família.
Sucesso. Sucesso
absoluto. Sucesso tão estonteante que em pouco tempo lá estava ele em
manifestações conservadoras, às quais ia sempre com uma camiseta verde e amarela
com um imenso EMÍLIO GM no meio do peito. O nome — mais que nome, marca —
passou a ser gritado por todos e pintado em camisetas, que apareciam, manifestação
a manifestação, aos montes. A glória. Mais que glória, milagre. Antigos amigos
do então Emilinho, ao se reencontrarem com esse arauto do conservadorismo,
passaram automaticamente a chamá-lo de Emílio. EMÍLIO GM. A glória.
Hoje, ao voltar de uma dessas aglomerações, EMÍLIO
GM encontrou um bilhete assinado a quatro mãos, as duas de Maria Adelaide e as
duas de Odalea. Nele estava escrito: “Emilinho, não gostamos disso em que você
se transformou. Passar bem.”