26.4.08

Máximas apressadas acerca da amizade


Ao Paulinho Colares, agora em outra dimensão.


Todo mundo tem um amigo.

Todo amigo é único.

Na companhia de um amigo, é possível ultrapassar os limites de onde o vento faz a curva.

Chegará o dia em que qualquer um de nós pedirá a mão a um amigo para atravessar a mais pacata das ruas pacatas.

Um amigo não lhe revelará todos os seus segredos, pois há os que caem bem num amigo e não noutro.

Certo amigo deve dizer-lhe todos os segredos, inclusive os que se ajustariam melhor a amigo distinto de você.

Existe um amigo que poderia roubar-lhe o amor e depois devolvê-lo.

Tão-somente um amigo saberia perdoar outro por roubar-lhe o amor. Haverá igualmente um único capaz de receber de braços abertos o amor roubado e o amigo que o roubou.

Botar a mão no fogo por um amigo não significa emprestar-lhe dinheiro.

Topar qualquer parada com um amigo inclui socorrê-lo nas dificuldades financeiras sem se importar se será ou não ressarcido.

É melhor dever a banco do que a amigo.

Amigo no inferno nem sempre deseja céu.

Seu inferno nem o pior amigo merece. (Às vezes, sim, e não só ele, todos os outros também.)

Morte de amigo não acaba nunca. Todos os dias, o dia inteiro, ele volta a morrer.

Osvaldo, professor de matemática, ensinava: amigo do meu amigo é meu amigo. Traduzindo: um número positivo (amigo) multiplicado por outro positivo gera um terceiro igualmente positivo. Logo, o inimigo do meu inimigo é meu amigo (menos vezes menos resulta em mais) e o amigo do meu inimigo é meu inimigo. Isso vale como didática e em papo de boteco, quando se faz jura de eterno amor, às vezes pacto de morte. Fora disso, um inimigo de inimigo pode ser igualmente inimigo; um amigo de inimigo, amigo; e, por fim, um amigo de amigo, inimigo.

O sofrimento de um amigo dói igualmente ou mais em pelo menos um de seus amigos.

Mentira de amigo é verdade absoluta, menos a daquele que nunca mente.

Você nunca mente a um amigo; floreia os fatos, quando muito.

Guardam-se no fundo do peito os amigos magros. Melhor ser guardado pelos demais.

Chifre na cabeça de amigo dói na de outro somente quando este passou pela mesma situação com o mesmíssimo amor.

Conta de boteco se divide de igual modo entre os amigos independentemente do consumo de cada um. Paga-se a parte daquele que está duro sem que se peça nada em troca ou pedindo-se não mais do que uma carona, ainda que a pé.

Amigo preso continua amigo. Talvez ele mereça a prisão, mas não merece perder sua amizade.

Quando dois amigos, um estrábico, precisam garantir com discrição a velha e boa cumplicidade, não recorrerão ao olhar que diz tudo, mas a chute manso e certeiro, sob a mesa, na altura da canela. Este também diz tudo, só que com pressa.

Se quem cala consente, silêncio de amigo soa como oposição ao consentimento, um ato de covardia, ainda que amorosa covardia.

Amigo deve ter coragem para dizer a outro: “Por hoje basta”.

5.4.08

De Costas para o BNDES


O prédio é imponente, arquitetura arrojada. O negócio lá dentro é papa fina, nada menos do que o ouro negro. Quem viveu nos anos 50 ou leu sobre eles sabe muito bem que a exploração de petróleo, em forma de monopólio do Estado, já deu muito pano pra manga neste país. Quando aqui era a capital federal, lutávamos por essas causas; hoje, hoje bradamos contra o IPTU. Aliás, não contra o IPTU, nosso alvo é o prefeito, ou, mais corretamente, sua péssima gerência no mandato que encerra neste ano.


Embates grandes ou miúdos, pouco importa, o carioca é bom de briga, o prefeito que se cuide. Que se cuide também a direção da estatal do petróleo, pois os aposentados andam fazendo uma zoeira bem ali de frente para o belo prédio e de costas para o BNDES, o que não sei se tem ou não tem significância. O que sei é que há muito acompanho os aposentados mandando bala. Não vi, mas até nus ficaram; no meio da rua, digo.

No Natal, teve Papai Noel. No carnaval, banda cantando marchinha que enaltecia a classe dos petroleiros e ameaçava o presidente e todo o resto da diretoria. Contra ou a favor da causa, se é que chega a ser uma causa, vale ver o show dos aposentados. Não são muitos, mas estão ali; se for preciso, se despem. É uma causa, acabo de me convencer, ninguém se despe a troco de nada.
No fim de janeiro, a banda explodia em sopros que faziam desenhos melódicos supimpas. Parecia que tudo ia por água abaixo, o sax tomava um rumo, o trombone de vara outro, mas no fim tudo se ajeitava. (Adoro isso.) Bem, a marcha corria solta, e uma senhorinha aposentada, que vejo sempre nas manifestações, começou a dançar; mais parecia porta-estandarte — sem o mestre-sala, sem ninguém. Se fosse adepto das adjetivações fáceis, diria que ela é meio lelé da cuca. Não sendo, digo que carrega em si tamanha liberdade. O presidente da empresa deveria dar pelo menos a ela o que se reivindica à porta de seu escritório.

A porta-estandarte dava suas voltas e reviravoltas sem que ninguém prestasse muita atenção nela. Menos duas pessoas: eu, sei lá por que eu, e um rapaz (mal saído do cueiro) cujo olhar sugeria outras intenções. Se fosse adepto das adjetivações fáceis, diria tratar-se de um taradinho. Não sendo, digo que se encantou, nunca vira nada parecido. A beleza pode estar onde nem parece estar.


Manifestações recorrentes tendem a surtir efeito. Minha torcida é que um dia, cansado de marchinhas no carnaval, fogueiras no São João, papais-noéis no Natal, o presidente do BNDES ligue para o do Banco Central e sugira que se acelere a queda dos juros. Por que motivo ele faria isso? Ora, sei lá, nem tudo o que se faz se explica. Se o todo-poderoso, guardião do nosso real, aceitar a sugestão, pode ser que sobre mais dindim no caixa da estatal do ouro negro e que seu presidente, também cansado de tantas manifestações, atenda o pedido dos aposentados. Não deve ser muito, com a idade ficamos modestos.