23.11.08

Como ludibriar a abstinência ou carta aberta de um fã

Moacyr Luz, sambista da melhor estirpe, os atores Otávio Augusto e Antônio Pedro, além do acadêmico-de-rede, João Ubaldo Ribeiro, estão meio molongós. Proibidos de beber, imagino que proibidos também de triscar torresminho, feijão-tropeiro, leite gordo. Fígado não é mole, ou, por outra, quando começa a ficar mole é um deus-nos-acuda.

Todos vocês, meus camaradas, são mais velhos do que eu (até o Moacyr, esse menino, é), portanto não devem dar ouvido a fedelhos, ainda mais um desconhecido. De todo modo, vejam bem, em abstinência sou macaco velho, pois lá se vão dezesseis dos meus quarenta e sete anos sem dar uma bicadinha sequer.

Por que parei de beber? Hepatite C. (Alô, moçada, cuidado com a hepatite C.) Não estou aqui para dar alerta de saúde pública, e sim para tentar ajudá-los nesse início barra pesada. Pois não é fácil, bem lembro. Procurei terapeuta. Sonhei durante muito tempo que bebia dúzias de cervejolas; como bom mineiro, acompanhadas de cachacinha. A vida ficara meio sem graça, pois, ainda que não pudesse ser chamado de alcoólatra, tentava encaixar a birita em tudo que fazia. Cinema? Com chope depois. Sexo? Chope antes, durante não, mas depois, sim. Ler? Acompanhado de uma branquinha, coisa assim pouca, só para liberar a cabeça, nada de abuso.

Eis que o figueiredo me colocou em sinuca de bico: ou trancava-me em casa ou acostumava-me com a idéia e continuava a levar a vida normalmente. Preferi a segunda alternativa, é da minha natureza estar entre amigos. Acontece que meus amigos, claro (claro?), são bons de copo. Ir ao encontro deles é estar em ambiente de muita bebida. No início, bebi refrigerante exageradamente. Dá uma coca aí. Uma fanta. Desce um guaraná. No final da noite, estavam lá cinco, seis, em noites intensas, oito garrafas dessas doçuras gaseificadas. Descobri que ressaca dá em qualquer um, basta dormir pouco. Oito cocas e pouco sono é ressaca na certa.

Passado um tempo, surgiu uma muleta: a cerveja sem álcool. As vantagens dessa bebida sobre o refrigerante: seu copo fica parecido com o dos amigos e a bebida é menos doce, dá para beber quinze em noites de loucura desmesurada. A desvantagem: quando bebia cocas e afins, meus amigos achavam um absurdo eu pagar a conta. Com a cerveja sem álcool, não tem disso, custa tão (ou mais) caro quanto um chope, e a turma não perdoa, cobra.

Vocês dirão: “Tudo bem, e o pileque, cadê o pileque?” Esse é um assunto mais delicado.

Nem guaraná nem cerveja sem álcool são capazes de embriagar um sujeito comum. Comum? Olha só, não sou comum, os senhores muito menos. Quem compôe samba como o Luz, quem atua como o Otávio Augusto (que se parece muito com meu irmão) ou o Antônio Pedro (Bar Esperança, saravá, seu Antônio) e quem escreve como o Ubaldo não são pessoas comuns nem aqui nem na China. Muito menos na China.

Se não falo com gente comum, posso confessar que dá para ficar de pileque. De duas maneiras. A primeira exige fé, e funciona: basta segurar o xixi. Sim, tome um monte de cerveja zero por cento álcool e só vá ao banheiro quando a bexiga estiver explodindo. Minha tese é que, agindo assim, a amônia circula pelo corpo e chega ao cérebro. Insisto: dá barato, se feito com fé.

A segunda maneira é científica. Lá pelas tantas, seus amigos, que continuam bebendo, ficarão doidos e chutarão a razão lá pro raio que os parta. O que acontece nesse momento? Eles falam e os senhores não os entendem. Não entender o que os outros falam não é coisa de bêbado? No meu caso, quando chega essa hora, decreto-me pra lá de Marrakesh, caio fora, pego um táxi (lei seca é lei seca, não vamos vacilar) e corro para o conforto do meu lar.



Enfim, senhores, a coisa não é tão feia quanto parece. Como no filme “Minha vida de cachorro” (Mitt liv som hund, Lasse Hallström, 1985), pior foi a vida da cachorra Laika, sozinha deambulando no espaço sem fim. A gente está longe disso, e com os pés no chão.