10.1.10

Narrativas que propõem ciladas e interrogações


Cristina Zarur - Prosa e Verso, O Globo, em 25/06/2005.

Em novos contos, Alexandre Brandão examina o cotidiano


Quatro contos e uma novela compõem “Estão todos aqui”, livro de Alexandre Brandão lançado pela coleção Novo Conto Novo da editora Bom Texto. Mas seria ele um novato, que só agora dá a cara e as palavras ao cenário literário? Há dez anos o escritor publicou “Contos de homens”, cuja apresentação de João Gilberto Noll alertava: “Alexandre Brandão não vem apressado para os líricos abandonos da raça; ele reluta em aderir sem mais às liturgias primordiais que a tudo consolam, pois como profundo escritor quer muito além, quer por exemplo revolver e reavivar o drama humano com uma espécie de humor irado, quase bélico... ”
Não é à toa que Brandão dedica neste novo livro suas “armadilhas e fugas” ao tempo. O hiato de dez anos entre uma publicação e outra modificam a dicção do escritor? Talvez o grisalho dos cabelos e o bater em portas de editoras sejam fatores de desalento. Mas não. Esse mineiro de Passos, economista de poética matemática, enreda uma prosa que propõe ciladas ao leitor.
“Estão todos aqui” são textos de amores e interrogações. Por meio de um gesto, de uma palavra ou do silêncio, os personagens (e narrador) indagam sobre a própria veracidade dos fatos. Será? Talvez? São questões que pontuam os textos de Brandão, nos quais se tece uma realidade palpável, não uma precária metafísica. Narrativas que interpelam o real a todo momento.


Esperanças diferenciam e irmanam os homens

Em “Outra fila brasileira”, Brandão coloca a lupa no cotidiano, fundindo interior e exterior, particular e universal. Assim, Lívia, a protagonista do conto, vivencia um drama comum a tantos: a burocracia das filas onde as mazelas socioeconômicas perfilam os excluídos. Porém, se as esperanças diferenciam os homens, também os irmanam. Em “Domingo cuidamos dos filhos”, um pai se vê em apuros diante das desconcertantes perguntas de Carla, a amiguinha do filho. O que parecia ser um prosaico domingo repleto de brincadeiras infantis, revela outras sutilezas: o abismo entre o macho e a fêmea.
Brandão não escorrega em dicotomias: encontros/desencontros, solitários/solidários, homem/mulher, pai/filho, cidade grande/interiorzão. O escritor propõe conexões e as coloca no embornal da ficção. Talvez a metáfora da totalidade se ajuste ao título do livro. “Estão todos aqui” aponta para a aglutinação e a fusão dos fragmentos da existência. Nesta ótica, a vida não é maniqueísta, e os personagens se tornam complexos.

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