3.2.07

Um barranco para descansar


O escritor, ô sono, dá uma grande espreguiçada no meio da tarde de sexta-feira, dia de Iemanjá.

Depois de alguns dias de leitura feita sob o solavanco dos ônibus urbanos, na cidade do Rio de Janeiro, o escritor terminou “O Vôo da Madrugada”, de Sérgio Sant’anna. Mestre esse Sant’anna, a conta gotas vai levando a gente no bico. Nesse livro inventou (escritor não inventa, descobre) um tal Gorila, tarado virtual, pouco tarado e muito virtual, sujeitinho frágil, uma casca de ovo. Fez filho e mãe transarem, sem um pingo de pornografia, deixando escorrer o incômodo de coisa dessa natureza; e deu vida a imagens estáticas, vistas em fotos e pinturas. Tenho na ponta da língua mil comentários sobre “O Vôo”, ainda que o melhor meio de fazê-lo seja conversar seriamente cá com meus botões. Explico, explico. Um cadinho na temática, outro na forma, nossa literatura, minha e dele (talvez também a sua, como saber?) tem muita coisa em comum. Mas quem há de se interessar por isso além de mim, escritor em busca de afirmação?

Essa maldita preguiça, de onde vem? Dormi tarde ontem. Pode ser por isso, mas teve, agorinha, o almoço de arroz com camarão e polvo. Sim, sim, a leseira que se segue a um bom cardápio acomete a maioria dos humanos, não nos deixando esquecer do pecado da gula. Uma prova cabal da existência desse Deus inventor de pecados capitais. Como será o inferno?

Não, meus parcos leitores, vocês não merecem tal humor de porca enferrujada, rangendo dia e noite, noite e dia. Nem eu mesmo mereço tamanha chiadeira. O sol. A lua. O amor. O prazer. Bem sei de tudo isso, mas, ô sono, ô olho pesado.

Chega, chega. O que vocês estão fazendo? Digo, além de ler isso aqui. Nada, nadinha?
Então anotem. Ouçam minha quase conterrânea (que só conheço de disco), a Consuelo de Paula (http://www.consuelodepaula.com.br). Leiam o Bernardo Carvalho (http://www.clickescritores.com.br/bernardoc00.html). Beijem seus filhos (não há página na Internet). Assistam ao “Ensaio de Orquestra”, do Fellini (http://www.imdb.com/name/nm0000019/). Compre ingresso, se estiver no Rio, para ver “Gaivota - Tema Para Um Conto Curto” no Poeira.

Esse cardápio mínimo, bem comido e digerido, pode levá-lo, meu caro leitor, a uma preguiça assim interminável, mas você estará, esteja certo, um pouco menos suscetível de passar pela vida cheio de disposição, mas vazio.

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