Não, meu leitor, não quis escrever fenícios, de quem quase nada saberia falar. Inventei uma palavrinha (não o alfabeto), se é que inventei, haja vista que não há muita criatividade em juntar o fim e o início.
Essa pequena pérola de gosto duvidoso me ocorreu ao me dar
conta de que ainda em janeiro já havia perdido um primo, visto a padaria que
frequentei por vinte e oito anos ser fechada e, como se não bastasse, assistido
ao Trump voltar à presidência dos EUA, agora mais poderoso e sem a preocupação
de esconder seus pendores autoritários, fascistas.
Meu primo está morto. Ele – preciso contar a vocês, por
favor, escutem, mesmo sem interesse – nasceu em São Paulo e jovenzinho começou
a passar férias na minha cidade natal. Nos tornamos amigos. Eu o invejava não
só por ele ser bonito, mas por também ser desembaraçado. Uma vez, fomos tomar
um ônibus e, mal chegamos à rodoviária, ele já conversava com uma menina e,
mais que isso, dava uma mordida na maçã que ela comia. Seriam Adão e Eva não
fosse a minha presença nem um pouco divina, mas cerceadora. Esse dom o levou a
trabalhar com turismo e viver na Bahia, onde se deu nosso último encontro, em
2016. Me ocorre outra lembrança: no final dos anos de 1970, andávamos pela
avenida do Contorno, em Belo Horizonte, e discutíamos como seriam os fogões do
ano 2000. Não guardo ideia de como chegamos a esse assunto e me pergunto por
que não apaguei tamanha insignificância da memória. Um palpite: o afeto é
alimentado de miudezas, de verdadeiras bobagens.
Devo confessar que a padaria não era de excelência. Estava
mais para inconstante. No dia que acertava a mão, produzia um francês de me
fazer esquecer o da padaria do Neném, a da minha infância. Mas não raro a
receita desandava. Acontece. Seja como for, quando uma empresa fecha, histórias
tristes se insinuam. Pode ser que o dono não tenha resistido à concorrência.
Pode ser que a família em conflito tenha renunciado ao negócio para não
cultivar a rixa entre os herdeiros. Certo, certo mesmo, é que um fato desses aumenta
a fila do desemprego. Alguns talvez logo se ajeitem, outros, não. No caso da
padaria, o que será da moça da chapa, faladeira e simpática? Do moço do café e
do suco de laranja, mestre em infernizar a vida da chapeira? Do Russo? O Russo,
por onde ele anda? Já não estava na padaria havia tempo. Por que não perguntei por
ele? Quando uma padaria é fechada, nos descobrimos menos atentos do que
imaginamos ou piores do que parecemos ser.
Quanto ao Trump, bem, ele em si já é ruim – figura grotesca,
de ideias torpes etc. –, mas pior ainda é que ele abre espaço para os seus
iguais ou seguidores mundo afora. Digo uma verdade, palavra de sábio,
praticamente de um fenício inventando o alfabeto: a civilização não evolui, os
boçais, que ocupam os poderes, não deixam.
Ah, ia me esquecendo. Ainda
em janeiro perdi minha paciência. Quer dizer, minha paciência com o verão.
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