10.2.25

Finícios

Não, meu leitor, não quis escrever fenícios, de quem quase nada saberia falar. Inventei uma palavrinha (não o alfabeto), se é que inventei, haja vista que não há muita criatividade em juntar o fim e o início.

Essa pequena pérola de gosto duvidoso me ocorreu ao me dar conta de que ainda em janeiro já havia perdido um primo, visto a padaria que frequentei por vinte e oito anos ser fechada e, como se não bastasse, assistido ao Trump voltar à presidência dos EUA, agora mais poderoso e sem a preocupação de esconder seus pendores autoritários, fascistas.

Meu primo está morto. Ele – preciso contar a vocês, por favor, escutem, mesmo sem interesse – nasceu em São Paulo e jovenzinho começou a passar férias na minha cidade natal. Nos tornamos amigos. Eu o invejava não só por ele ser bonito, mas por também ser desembaraçado. Uma vez, fomos tomar um ônibus e, mal chegamos à rodoviária, ele já conversava com uma menina e, mais que isso, dava uma mordida na maçã que ela comia. Seriam Adão e Eva não fosse a minha presença nem um pouco divina, mas cerceadora. Esse dom o levou a trabalhar com turismo e viver na Bahia, onde se deu nosso último encontro, em 2016. Me ocorre outra lembrança: no final dos anos de 1970, andávamos pela avenida do Contorno, em Belo Horizonte, e discutíamos como seriam os fogões do ano 2000. Não guardo ideia de como chegamos a esse assunto e me pergunto por que não apaguei tamanha insignificância da memória. Um palpite: o afeto é alimentado de miudezas, de verdadeiras bobagens. 

Devo confessar que a padaria não era de excelência. Estava mais para inconstante. No dia que acertava a mão, produzia um francês de me fazer esquecer o da padaria do Neném, a da minha infância. Mas não raro a receita desandava. Acontece. Seja como for, quando uma empresa fecha, histórias tristes se insinuam. Pode ser que o dono não tenha resistido à concorrência. Pode ser que a família em conflito tenha renunciado ao negócio para não cultivar a rixa entre os herdeiros. Certo, certo mesmo, é que um fato desses aumenta a fila do desemprego. Alguns talvez logo se ajeitem, outros, não. No caso da padaria, o que será da moça da chapa, faladeira e simpática? Do moço do café e do suco de laranja, mestre em infernizar a vida da chapeira? Do Russo? O Russo, por onde ele anda? Já não estava na padaria havia tempo. Por que não perguntei por ele? Quando uma padaria é fechada, nos descobrimos menos atentos do que imaginamos ou piores do que parecemos ser.

Quanto ao Trump, bem, ele em si já é ruim – figura grotesca, de ideias torpes etc. –, mas pior ainda é que ele abre espaço para os seus iguais ou seguidores mundo afora. Digo uma verdade, palavra de sábio, praticamente de um fenício inventando o alfabeto: a civilização não evolui, os boçais, que ocupam os poderes, não deixam.

Ah, ia me esquecendo. Ainda em janeiro perdi minha paciência. Quer dizer, minha paciência com o verão.

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