2.9.19

Ensaio palpiteiro sobre a crônica


Patinho feio da literatura, a crônica é de leitura leve, ainda que nem sempre o assunto de que ela trata seja ameno. Surgida nos jornais, num cantinho rodeado de notícias sangrentas ou muito importantes, essas que falam dos rumos do país e até do mundo, a crônica, para sobreviver, fez-se sedutora. Conseguir um leitor não é tarefa fácil, daí a opção pela sutileza (contra as certezas brutas dos vizinhos), pela linguagem polida (contra o texto prolixo) e até pelo assobio (em clara tentativa de falar com os pássaros, pelo menos com eles).

Ao contrário da poesia, do romance, do conto ou do ensaio, a crônica busca o leitor em vez de ser procurada por ele. Explica-se assim o seu jeito atirado, mas nem de longe vulgar. A crônica é, por estratégia de sobrevivência, sensual, ainda que não fique claro se sua sensualidade é feminina ou masculina ou, o que parece mais apropriado, masculina e feminina. Digo que é sensual, mas é preciso dizer que é uma sensualidade que não está diretamente ligada ao ato sexual. Em vez da carícia preliminar, a crônica é aquele telefonema no meio da tarde para dizer que vai se atrasar, são as roupas íntimas que, lavadas durante o banho, ficam esquecidas no box, é a mão que toma a outra durante a sessão de cinema.

Talvez por ser tão comezinha, a crônica cuide dos assuntos comezinhos. Ou dê tratamento comezinho a qualquer assunto. Uma superpotência invade um país, a crônica não se mete com as questões geopolíticas, com os interesses econômicos envolvidos. Sua preocupação é com as mães que esperam os filhos enquanto as bombas caem pelo caminho, com o filho que espera o pai, com o pai que espera a mulher. A crônica é guardiã da delicadeza, talvez por isso seja o suprassumo da política.

Apesar de ser aliada dos que estão à margem do poder, a crônica não fala de sua indignação apenas em tom severo e tristonho. É encrenqueira, escrachada, hilária; claro, quando quer, porque não aceita ordens, enquadramentos, leis, horários, limites. Nisso, não se difere da literatura ou das artes de modo geral. Quando a crônica se curva e aceita limites que lhe são impostos, ela não vai além de uma lenga-lenga saída das mãos de um canalha.

Um comentário:

Dagmar Braga disse...

muito boa a sua crônica!