O tão esperado verão chegou.
Tiramos da gaveta a roupa de praia, o protetor solar, a sede
de cerveja, caipirinha e pilantragem e vamos tratar de desfrutar dessa
deliciosa estação.
Encontrei minha amiga Solange e, mal falei seu nome, ela me
interrompeu, não se chama mais Solange, está brigada com o sol. É agora Ange,
mas prefere ser chamada de Anja. O que te aconteceu, menina? Ela
resolveu, no calor do meio-dia, refrescar-se nas águas do mar. Três horas
depois, voltou para casa cheia de hematomas, como se houvesse levado uma surra.
Vai entrar em demanda contra a prefeitura por não instalar ar-condicionado naquelas
areias escaldantes. Revoltou-se quando tentei lhe explicar que isso seria
impossível e me mandou ver o que fazem os árabes no Catar. Não sei o que fazem,
e ela tampouco esclareceu. Fechou a cara e me deixou a ver navios. Aliás,
navios lotados, em debandada do inferno.
Mas isso é pouco diante do ocorrido com um casal amigo.
Começaram a se beijar, a se tocar, a se querer com toda a luxúria do desejo,
reforçada por uma segunda intenção talvez até mais forte: ficarem nus para amenizar
o calor. Não funcionou. Resolveram então sacar a pele. Nem assim. Se desfizeram
das carnes, preservando, no início, o coração. Mas como dele também emanava um
outro tipo de calor, o dispensaram igualmente. Esqueléticos, sem suas formas de
mútua atração, não se diferenciavam um do outro. Assim, não chegaram aos
finalmentes, convencidos de que seria ou masturbação, o que não condizia com a
idade, ou necrofilia, o que apontaria uma psicopatia grave.
Vi com meus olhos umedecidos – não de lágrimas, mas de suor
– um jovem derreter-se. Caminhávamos pela Atlântica, ele indo pro Leme, eu, por
motivos que não vêm ao caso, fugindo de lá. À medida que nos aproximávamos, ele
se liquefazia e começava a evaporar. Quando cruzamos um com o outro, só lhe
restava de concreto o pensamento. Um pensamento, aliás, em alto e bom som. Não
reclamava do calor, mas desses tempos em que nem podia mais ser machista em
paz.
Diante de tanta bizarrice, pensei em salvar o mundo. Nosso
presidente poderia convidar o homem-laranja para desfrutar de um verão tropical.
O convite seria politicamente incorreto – oferecendo ao visitante mulatas,
escravos para transportá-lo em liteiras, índios capazes de dar, em troca de espelhos,
caça, ouro, mulheres –, impossível de ser recusado por tipo desprezível como o
convidado. Logo que chegasse ao paraíso, correria para a praia e, em um
segundo, iria de laranja a vermelho, de vermelho a roxo, de roxo a esturricado,
de esturricado a, como diriam os jornais do dia seguinte, uma coisa parecida a
uma lenha sendo levada pelas ondas frias de Copacabana.
Não posso me perder em fantasias, então volto a pensar com
serenidade nas delícias do verão. Nas palavras do Foguinho Inimigo, meu colega
de copo, bons tempos eram aqueles em que o calor carioca, em seus piores
momentos, se assemelhava ao do Saara. Agora, quando fazem essa comparação, é
porque deu uma refrescada, bateu um vento. Estou pronto para discordar, quando
Ian, nosso estimado garçom, deixa a cerveja na mesa depois de encher nossos
copos. Pô, menino, essa tá quente. Impossível, ele rebate, ela saiu da
geladeira vestida de noiva, a ponto de congelar. Três passos entre o freezer e
a mesa transformaram o vinho em água vulcânica. O Anticristo está solto.
Ah, como é bom o verão! Que assim continue.
Derrubemos florestas.
Tiremos petróleo da foz da bacia do Amazonas.
Ergamos edifícios.