18.6.09

No Jardim Botânico

Uma caminhada no Jardim Botânico equivale a uma sessão de yôga, ou de yoga como se dizia no tempo em que eu não sabia exatamente que sexo poderia gerar filhos — sabia, mas não acreditava.

Uma caminhada no Jardim Botânico num dia não muito ensolarado, tampouco fechado, pode deixar — na memória que teremos no futuro, quando nossos filhos, filhos de nossas relações sexuais ou não (pois hoje já não se faz filho apenas com relações sexuais), forem eles mesmos senhores e senhoras com vidas próprias e, se Deus quiser, independentes e bem encaminhados — algum gostinho de felicidade na gente tão carregado, que poderemos mesmo imaginar que fomos, dentro e fora do Jardim Botânico, felizes, completamente felizes.

Pisar descalço o chão do Jardim Botânico, como vi um jovem fazendo no último domingo em que estive por lá, deve ser o grito mais veemente que conseguimos dar contra a tendência do mundo em nos distanciar da terra, do fogo, da água e do ar. Aquele rapaz, garanto sem conhecê-lo, sabe ser feliz quando quer: basta tirar os sapatos e pisar a terra úmida do parque.

Sentar num banco do Jardim Botânico numa manhã de maio, em pleno domingo das mães, ao lado da irmã pode apaziguar as dores que sozinhos, o irmão e a irmã, não suportariam mais ter. As árvores dali, estrangeiras e nacionais, entendem dessa coisa de despoluir até o espírito mais sombrio.

Depois de uma caminhada que levou o desempregado à estufa das plantas carnívoras e a debutante, um pouco cansada, à beira do lago das vitórias-régias, pequena e elegante peça de metal bem aducido e corretamente coado, a bica dará água fresca a quem já tem, a sua volta, toda espécie de sombra. Não vai nesse gesto do bebedouro nenhuma intenção de iludir o desempregado ou a jovem pensando-se vítima do maior cansaço do mundo, mas, fresca e fluida, a água ensinará sem querer que a generosidade mata a sede quando não escorre pelas mãos.

Pais e filhos, concebidos ambos na brasa do desejo ou na assepsia dos laboratórios, jogam folhinhas no riacho e vão correndo ao lado acompanhando aquela corrida de Fórmula 1 vagarosa e vegetal. Há uma bateria, depois uma segunda, e haverá outras até que a criança saia dali campeã. No Jardim Botânico, a simplicidade é sempre verde e imatura.

Vez ou outra o chão ficará enlameado. Vez ou outra alguma árvore o vento derrubará. Vez ou outra os esquilos cairão viciados em pipocas. Vez ou outra um estudante de artes plásticas errará a mão e não tracejará nada que se assemelhe ao que está por todo o lado. Por fim, poucas fotografias tiradas ali, aos milhares ou milhões, em alguma contagem do tempo não muito dilatada, terão a qualidade que o parque merece.

Vez ou outra um cronista menor compreenderá o mundo dinâmico que, entre ramagens, águas, pessoas e aves, o silêncio do parque guarda.

5 comentários:

Udo Baingo disse...

parabéns! adorei!
abraço
udo

beth brandao disse...

Pois é... ... ... este ambiente tranquilo do Jardim Botânico consegue nos levar a cenas e vivencias que o mundo fora de seus muros já não consegue mais nos dar. Este mundo fora dos muros se tornou endurecido pelo próprio ser humano, que na saudade desta tranquilidade, vai ao Jardim se reabastecer. Mehor ainda é poder beber da "bica" de percepções e observaçoes deste escritor, que nos permite beber da água fresca da sua fonte expressa nas palavras deste conto. Obrigada Xandão, por os levar por alguns minutos para o ambiente tranquilo do JB. Beijos, Beth Brandão

edson coelho disse...

"a água ensinará sem querer que a generosidade mata a sede quando não escorre pelas mãos": foste tu, alexandre, ou o própri jardim botânico que anotou isso? até fevereiro, aí no rio.

No Osso disse...

Udo, nosso homem na Alemanha, se você gostou, alguma qualidade deve ter. Obrigado pela força.

Tia Beth, não venha com papinho furado não. Poxa, você trabalha colada ao Jardim Botânico, portanto, desfruta constantemente daquilo que só posso aproveitar raramente.

Edson, poeta paraense, você sabe muito bem que a gente só psicografa... é tudo do JB.


Obrigado aos três.

Anônimo disse...

"No Jardim Botânico" - que texto lindo! Plagiando o Edson Coelho: foste tu, Alexandre, ou o próprio Jardim Botânico, o redator? "Sentar num banco do Jardim Botânico numa manhã de maio, em pleno domingo das mães, ao lado da irmã pode apaziguar as dores que sozinhos, o irmão e a irmã, não suportariam mais ter." E também pode mostrar a força que a união "irmão e irmã" tem na caminhada que fazemos todos os dias. Indo um pouco mais longe, "irmão e irmã" pode ser a representação dos nossos laços de amor mais sólidos: os familiares e os de amizade profunda. Passear num lugar como o JB inspira mesmo os mais puros e nobres sentimentos. Naquele dia especialmente, passear no JB significou me sentir acompanhada e certa de que a vida é um elo ao qual estamos todos acorrentados. Beijos da sua companheira de JB.