26.2.11

Por que os jovens bebem álcool?

A manchete do jornal argentino La Nacion aguça a minha curiosidade sobre qual seria a resposta do autor, Alejandro Rozitchner, filósofo, escritor, entre outras competências. Poderia ter lido apenas a primeira frase, onde reside a resposta, tão simples quanto a pergunta. No entanto, a partir desse pressuposto, complexas questões vão emergindo das profundezas das motivações humanas, numa narrativa profunda sem ser inacessível, densa sem ser hermética, o que possibilita uma reflexão frente a esse que é um caso de saúde pública, especialmente no Brasil. Estatísticas, a cada tanto, se atualizam colocando-nos diante de um grave problema nacional: o abuso no consumo do álcool entre os jovens e suas trágicas consequências.
Com a autorização do cronista, segue, traduzido, o texto na íntegra e o link para a página de Alejandro Rozitchner.
Maria Balé

  
Por que os jovens bebem álcool?
Por Alejandro Rozitchner - Especial para o jornal La Nacion - Jueves 24 de febrero de 2011
Pelas mesmas razões que os adultos. Nem tanto pelo sabor, mas, sim, pelo efeito. Há uma certa hipocrisia social sobre este tema, que nos impede ver claramente que o álcool “pega” e que nisso reside o seu sucesso. É uma droga, uma droga legal, porém uma droga. E ainda mais: uma droga encantadora, sensacional, socializante, divertida, acessível, barata, geralmente manejável. Os garotos (e garotas) tomam álcool para sentir a liberdade e a distensão que nós, adultos, tanto gostamos de sentir ao beber cerveja, vinho, champanhe  ou uísque. O problema é que, enquanto os adultos podem controlar o seu consumo, por experiência e porque a maturidade aumenta a capacidade de autoconhecimento e autocontrole, os jovens  não avaliam corretamente os perigos e podem se prejudicar severamente .
O consumo adolescente de álcool  é um dos temas mais preocupantes para os pais que adoram os seus filhos, um tema que tira o sono e gera uma compreensível angustia. O problema merece ser abordado séria e imaginativamente.
Porque os adultos não conseguem evitar que os jovens se matem bebendo?
Há varias respostas possíveis:
·         Porque não se preocupam verdadeiramente por eles e acreditam que dizer o que deve ser feito equivale a educar (o que é falso: educar é ajudar a crescer, não enunciar de forma distante o que está certo e o que está errado, e, ainda, com raiva ou decepção).
·         Porque não sabem lidar com os jovens quando eles começam a transformar-se em adultos (talvez porque tampouco encontraram para si mesmos as respostas que os jovens estão procurando e pedem com um desespero que comove tudo o que os rodeia).
·         Porque, ainda que digam que não se deve beber demais, eles mesmos o fazem (da mesma forma em que muitos adultos de hoje dizem com indignação “os jovens não leem”, esquecendo que eles mesmos jamais serão vistos com um livro nas mãos).
·         Porque a complexidade do tema supera os recursos espontâneos de uma paternidade bem intencionada e pede esforços de comunicação ou empatia que esses adultos não possuem.
Que efeito tem o álcool como droga?
Como toda droga, o álcool possui um efeito sobre a personalidade e não somente sobre o corpo genérico. Há quem fica eufórico, quem fica tonto, quem tem sonolência, quem vira extrovertido e chega perto da pessoa de quem gosta, quem se torna agressivo e briga até com os amigos que mais ama.
O efeito geral poderia ser descrito como o da desinibição: torna mais leves as coisas que parecem difíceis, dá fólego a quem se sente asfixiado por uma situação, mostra novas perspectivas de vida, dá coragem a quem se sente pra baixo, mas também aumenta a sensação de desespero de quem tem tendência a ela, etc. São boas essas coisas? Digamos que entre adultos responsáveis este consumo pode ser considerado positivamente como relaxante ou como um remanso em dias exigentes, mas isto requer a capacidade de manter-se com doses razoáveis.
Por que alguns jovens chegam ao coma alcoólico e outros não?
Deve existir razões circunstanciais incontroláveis, mas também é verdadeiro e comprovável que os adolescentes que não sabem se cuidar são, em geral, aqueles que não estão sendo bem queridos, ou seja, aqueles que não sentem o contato, a proximidade, a intimidade com adultos compreensivos e maduros (há muitas pessoas com aparência adulta, mas é só aparência).
Os jovens que correm mais perigos são aqueles que não têm adultos emotivamente próximos que os ajudem a se entender e a entender o mundo, sempre complexo, que os humanos têm que enfrentar. Porque um grande amor que não saiba gerar essa proximidade não é mais que uma emoção remota, escondida, quase diríamos um amor não realizado. Não é o caso de dizer quanto a gente ama os filhos, mas de fazer as coisas às que esse amor nos compromete e de arriscar-nos por ele.
A melhor forma de ajudar um adolescente a enfrentar as dificuldades que apresenta o álcool (a necessidade de encontrar uma medida, o poder de suportar a pressão dos pares, a possibilidade de evitar a solução rápida às angustias excessivas próprias do crescimento) é falar com ele, das suas emoções e das próprias (ou seja, que os adultos não se situem em posição superior como se tivessem  tudo já resolvido e que também se abram ao contato).
Nada pode salvar os jovens dos perigos do mundo, mas a intimidade bem vivida com adultos afetivos é o mais parecido a um poder protetor que os acompanhará sempre.
Como fazer, então, para resolver o problema?
Devemos levar em consideração que o álcool acompanha, desde sempre, a civilização humana, em todas as partes do mundo.  São boas as restrições de venda a menores de idade, controles estritos nos botecos etc. Porém, não são a solução completa.
Para poder proteger os jovens dos perigos de um consumo excessivo ou de um hábito precoce é necessário:
1.       Entender  por quê o efeito do álcool é tão procurado (não simplificar neste ponto, que é chave, numa névoa moral irreal).
2.       Dar informação realista sobre os perigos, ou seja, ensinar a beber (não misture, não dirija, tome muita água, pare enquanto é tempo, restringir-se não é de pessoa débil, ao contrário).
3.       Ajudá-los a aprimorar o controle das suas ações (ou seja, ajudá-los a amadurecer, abordando não somente o tema do álcool, mas também as outras questões que os preocupam).
4.       Ajudá-los a liberar a sua capacidade criativa e produtiva, o que equivale a:
5.       Ajudá-los a amadurecer, porém, mediante a uma capacitação na luta pelas suas aspirações, porque, uma insistência no dever e, sobretudo, um dever sem sonhos, jamais resultou saudável para ninguém.
Para tudo isso, os adultos têm que aprender:
A falar com os jovens (a falar, não a agredí-los ou ensiná-los desde uma posição superior duvidosa; falar é compartilhar), e controlar a eles mesmos e aos seus próprios excessos.
Um último ponto: se os adultos vivem se queixando de tudo, depreciando o mundo, acreditando que crítica é inteligência (que não é, nem nunca foi), então, eles não devem se surpreender com a apatia dos seus filhos. Que mundo entregar aos seus filhos, como cenário de uma vida possível? Adolescente que não aprende a voar se embebeda até o desmaio.


2 comentários:

Dag Bandeira disse...

Que responsabilidade essa a de educar.

No Osso disse...

Ainda mais a seco, não é, Dag?
Sacanagem à parte, acho que a mensagem do meu xará portenho é a seguinte: tire a roupa e jogue a limpo, com o coração.