1.3.13

Rir e chorar


Meu caçula diz que pela primeira vez me viu rindo, rindo pra valer, agora à porta de seus treze anos. O riso fora provocado por uma matéria de Felipe Marra, publicada na Piauí de dezembro de 2012, sobre o comportamento das torcidas de futebol no Reino Unido. Bem, o grave disso tudo foi eu não ter rido durante treze anos. Como pode? Como pude?
Devo explicar a meu Pedro que não comungo de extremos. Quase nada me mata de rir. Tampouco me leva às lágrimas. Coisa de homem desconfiado, cético, sempre com um pé atrás. Homem também (principalmente) ignorante. Sim, sou um ignorante incapaz de rir a rodo. Ou de chorar baldes de lágrimas.
Aqui levo tudo ao pé da letra. Rir é gargalhar, abrir a boca, fechar os olhos, tremer-se todo. Chorar, contorcer-se, fungar, desidratar-se até. Nos dois casos, sair de si. Difícil que eu chegue ali ou lá. Falei em ceticismo, mas talvez seja insensibilidade, incapacidade de me matar (de rir) na piada e/ou de morrer (de chorar) numa possibilidade de tragédia. Burrice emocional.
Preciso dizer a meu filho que não veja em mim um homem duro e pessimista. Ao contrário, acho a vida boa, apesar de tantas coisas estranhas que acontecem por conta de nossa irresponsabilidade. Por exemplo, a morte dos jovens que dançavam na boate em Santa Maria.
A maldição é como me apego com unhas e dentes à razão, ancorado no mar sem eira nem beira da minha ignorância. É grave, gravíssimo. Mas é assim, sou refém desse meu traço.
Dou um cavalo de pau nesta crônica e, à procura de um exemplo que me ajude na explicação ao meu filho, falo do livro do Keith Richards (“Vida”, Editora Globo). O cara é um doidão, todo mundo sabe. Ao longo do livro, ele descreve coisas do arco da velha, algumas devem ser hilárias. São, de fato são, eu que não consigo me entregar simplesmente ao riso. Todos os excessos do cara me deixam um pingo e meio amargo.
E Amor (“Amour”, de Michael Haneke)? Uma amiga, escorpiana como eu, afirmou que somos dos poucos que conseguem ver um filme desses sem abandonar o barco. Ele é duro. A linguagem é dura. Não há, aparentemente, uma linha de escape, os velhinhos estão mais pra lá do que pra cá. (Mas com que elegância percorrem o último caminho!) A atuação dos atores, Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, não deixa meia-brecha para pensarmos que estão apenas encenando. Está ali a verdade. (Mas é arte, não é vida; é imitação da vida, como se diz por aí.) Não sucumbi à decadência. Vi todo o esplendor do amor semeado naquele casal de velhos, vi, por exemplo, que eles tiveram uma vida sexual boa e saudável. Não me perguntem como vi, mas eu vi. Não dei banana para a tristeza que há na história contada pelo diretor austríaco, mas encontrei motivos para não chorar.




4 comentários:

Jacqueline disse...

Alexandre,

Li sua belíssima crônica e fiquei lembrando das gargalhadas que dávamos quando o Pedro ainda nem existia, nos bons tempos da "Confraria do Palhaço". E também de como nos indignávamos com tudo, em nossos arroubos de final de juventude. Mas gosto de pensar que, se a vida nos faz céticos, também a experiência e a (alguma, ou suposta) segurança que adquirimos também nos faz rir do nada, falar besteiras, chorar à toa. Sempre que dou uns ataques e a Flora me recrimina, eu digo: "garota, me deixa, eu pago minhas contas". Outra coisa que queria comentar é que concordo totalmente com você em relação ao "amour". Que beleza de amor foi retratado ali! É arte, mas se a vida imita a arte, também a arte imita um pouco a vida, né? Gostaria muito de encontrá-los para um bom vinho e boas risadas. Quem sabe... beijos!

No Osso disse...

Jacqueline, sabe que fiquei mesmo foi emocionado com seu comentário. Me vieram muitas lembranças, mas, e principalmente, a certeza de que temos feito o possível, ou seja, estamos pagando as nossas contas, e até mesmo um pouco do impossível.
Obrigado pela visita virtual, e vamos marcar uma de fato.

FB disse...

Xande, você, como sempre nos trazendo "pitstops para reflexões"... Chamo de pitstop porque são paradas rápidas, mas, para grandes revisões internas nas reflexões. Marquei um "viajei" nesse post... porque em 15' segundos... viajei !!! Engraçado saber que você, que me (nos) faz rir diariamente, não ri facilmente... Outra pérola ainda aqui, é o comentário de sua amiga Jacqueline. Mesmo não tendo acompanhado vocês nos tempos dessa "Confraria do Palhaço", ao ler esse comentário, senti uma grande energia, que movimentou várias indignações, minhas, atuais frente à vida, como ela é... ABração primo! FB

No Osso disse...

Fernando, meu primo, gostei muito de ter provocado em você um pitstop. Sinal de que não estou escrevendo ao vento.
Sempre bem-vindo.