3.5.14

Modos de crescer

Na edição brasileira do El PaísLuiz Ruffato conta, em crônica de 1º/4/2014, “Voando pelos ares”, como se tornou adulto. Não dou detalhes, corram ao site e leiam vocês mesmos, mas adianto que o processo de amadurecimento do escritor esteve ligado a uma bicicleta. Sim, a uma bicicleta. Cada um com a sua história.
No primeiro final de semana de abril, li notícias de mais morte de jovens em Passos, todas por acidentes automobilísticos. Antes e depois, outras notícias também de Passos — corriqueiras nos dias atuais — deram conta de dois ou três assassinatos de meninos de alguma forma ligados ao tráfico de drogas e a todo o submundo que se forma em seu entorno.
A morte de alguns amigos meus ainda jovens foi, penso, parte importante do meu processo de amadurecimento. O maior baque foi a morte do Branco. Era um garoto cheio de vida e que, para a alegria de seus colegas, tinha um fusca equipado com um som da melhor qualidade. Metidos naquele carro, enquanto a fita cassete repetia, à exaustão, o Deep Purple, descíamos a rua do meio, subíamos ao trevo, contornávamos mil vezes a Praça da Matriz. A música era nossa praia. Um pouco depois, ele ganhou ou comprou uma moto de 50 cilindradas e, nela, perdeu a vida. A notícia da morte dele, depois de dias e mais dias hospitalizado, me pegou dormindo. O Glã passou lá em casa e pediu que me acordassem. É, ser despertado com uma bomba dessas não é bolinho.
Velamos nosso amigo a madrugada toda. (No corpo cercado de flores, não restou nenhum pingo da beleza que lhe havia garantido sucesso com as meninas.) Na volta para casa, pela Rua dos Brandões, em algazarra, pedimos pão na padaria que se preparava para abrir. A moçada, nos bafos de seus dezesseis anos, não sabia sofrer em silêncio. Na verdade, nessa idade não sabemos fazer nada sem certo estardalhaço.
A partir da perda do Branco, nunca mais fui o mesmo. (A vida, insatisfeita, ou a morte, faminta, ainda levaram outros tantos: Nuna, Diminhas, Caco, Boda, Serjão, Cunha... não foram poucos). Morremos, descobri. Para adiar a morte eu teria de aprender a cuidar de mim, me sugeriu a intuição. Dar-se conta de que é preciso cuidar de si mesmo, a meu ver, é amadurecer. Não deixei de fazer besteiras — opa, fiz poucas e boas — mas quem fez ou deixou de fazê-las não era o filho do pai, da mãe, nem de deus, e, sim, alguém que, no soco, havia perdido a inocência e tomado a vida nas próprias mãos.
Deixando a questão pessoal de lado, o fato é que jovens morrem aos montes e, na maioria das vezes, engrossam as estatísticas de morte violenta. No passado, em acidentes e por excesso de drogas. Hoje, ao lado disso, muitas mortes associam-se ao tráfico, o que mostra que, num intervalo de mais ou menos 30 anos, mesmo em cidades do porte de Passos, o tráfico se consolidou em uma estrutura empresarial. Armada. A liberação das drogas e a consequente legalização de um mercado que deve persistir fariam diminuir o número de mortes violentas entre os jovens (não só entre eles, é verdade). Antes que alguém levante a mão e questione, já respondo: não, não acredito que o consumo aumentará com isso, ao contrário, com uma campanha forte (vide a de cigarros) poderá mesmo diminuir.
Num mundo menos violento, crescem as chances de o amadurecimento resultar de uma experiência como a vivida pelo Ruffato. Mas, não se animem, tornar-se adulto por conta de uma bicicleta é tão intenso quanto por qualquer outra forma. Crescer dói.
Imagem captada no site "Ai, minha nossa senhora".

                                  

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