15.12.14

Obrigado, conterrâneos

Na minha última ida a Passos, novembro de 2014, colhi alegrias de toda sorte, mas uma decepção. Começo pela decepção, pois, ao compartilhá-la no Facebook, vi que não é só minha.
Vamos começar por uma afirmação categórica: Passos não gosta de seus prédios históricos. Quase sempre os derruba. Um deles, ainda em pé: o Educandário. As lembranças que tenho do Educandário são as melhores possíveis. Ali joguei muita bola. Para ser sincero, via as partidas, mas dificilmente participava delas, pois não era um bom jogador. No meu time, da rua do Ouro, meus primos Branco, Cássio e Raul davam conta do recado. Uma vez o Branco, depois de infernizar a defesa adversária, levou uma entrada tão desleal que o Cássio saiu lá do meio de campo e partiu para o soco. A briga poderia ter sido daquelas terríveis — corriqueiras na época de minha juventude —, porém, por alguma razão, foi contornada. Melhor assim.
Melhor assim principalmente porque pude preservar a memória do campo do Educandário como um lugar de alegria. Do mesmo modo, há uma alegria quando me lembro das canecas das festas do chope que aconteciam ali. Eu, por ser bem novo, não bebia, mas meus pais e/ou meus irmãos compareciam ao evento, e as canecas acabavam na minha casa. Eu as achava extraordinárias, um objeto mágico a meus olhos de rapazote. Essas festas, se não estou enganado, eram organizadas por clubes como o Rotary e o Lions e visavam a arrecadar fundos para alguma de suas obras. Imagino que o próprio Educandário também recebesse uma remuneração pelo uso do espaço. Aliás, remuneração justa.
O fato é que o Educandário está ali, do mesmo jeito, desde sempre. Nós, que derrubamos construções antigas sem piedade, o preservamos. Imagino que pela força da instituição que o administra, a Igreja. Seja por que razão for, temos de agradecer o fato de um prédio dessa importância estar lá, intacto.
Intacto? Sim, o prédio está, mas um telão eletrônico obstrui a vista completa dele. Quem vai pela Sete de Setembro não o vê em toda a sua extensão. Depara-se, no lugar dele, com anúncios que emitem uma luz cegante. Um único telão e vários problemas decorrentes dele: não se vê a construção histórica, o motorista sofre interferência na sua visão pelo excesso de luz, as casas vizinhas se veem invadidas por essa mesma luz. Enfim, ao lado da questão ligada ao patrimônio, há outras ligadas à segurança do trânsito e ao direito das famílias ao descanso em suas casas. Imagino que o telão seja uma fonte de renda necessária para o Educandário, mas, a meu ver, a forma de obtê-la fere os direitos alheios. É uma questão política, miúda, mas política. Creio que os que concordam comigo podem e devem questionar os religiosos do Educandário sobre essa questão. E, além deles, as autoridades.
Prometi falar de coisas boas. Falo então.
Depois que meus pais morreram, vou a Passos particularmente para encontrar meus amigos, numa reunião anual que fazemos. Fiz o mesmo este ano, e não foi menor a alegria de estar com eles. Somos todos muito diferentes, mas temos um passado comum, importante para cada um de nós. Isso é liga que não se quebra.
Detalhe da decoração do Ladybug Rock Café, em Passos/MG.
Fui também lançar meu novo livro (Qual é, solidão?, Editora Oito e Meio). Escolhi às cegas um local: o Ladybug Rock Café. Não poderia ter sido melhor. Vivi ali, rodeado de amigos, uma noite perfeita. Helder, Roberta e Marcela, os donos do local, fizeram com que eu e meus convidados nos sentíssemos em casa, e o Tchurcão, tocando um repertório na medida, tornou prazeroso cada minuto que passamos ali. Para somar a tudo isso: os amigos, os primos, a cerveja, a noite nem quente nem fria. Ali, naquelas horas, fui um homem feliz.
Obrigado, meus conterrâneos.

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