30.9.19

O que fazer?

Na sexta, dia 20 de setembro, no Complexo do Alemão, a menina Ághata Félix, oito anos — oito — foi assassinada, com um tiro de fuzil nas costas, pela força policial do Rio de
Janeiro. A morte de uma criança, de uma criancinha, ainda causa indignação e, no caso, a essa indignação seguiu-se uma dúvida: o que fazer contra essa política a qual o governador do Rio associa à imagem de atirar na cabecinha dos bandidos? Segundo dados divulgados pelo “Fogo Cruzado”, em 2019, 16 crianças foram baleadas, cinco morreram. Quem acompanha, mesmo por alto, os especialistas que estudam a questão de segurança pública sabe que a política tocada pelo governador não chega ao resultado esperado, a redução da violência.

Numa reunião da qual participei como ouvinte, essa dúvida (o que fazer?), que gera certa imobilidade, ficou em evidência. Era um grupo de negros, quase todos nascidos em favelas, um bom número vivendo nelas. Não vou falar muito do que, na realidade, são encontros mensais, porque eu estava ali por ser amigo do organizador, que me disse: venha, vai ser muito bom. E foi, ô, se foi. A voz é deles, eles que falem ou não falem, sou um intruso. Vou comentar apenas aquilo que está ligado à tal pergunta que se repete.

Luís Antônio Simas e Suellen Guariento foram encarregados de fazer a fala inicial. Ele, historiador conhecido por se dedicar ao estudo da dinâmica das ruas da cidade do Rio de Janeiro, ou das cidades que formam a cidade, como ele prefere; ela, jovem negra cientista social com raízes na Zona Oeste e na Baixada Fluminense, cuja parte dos estudos está focada na trajetória das mulheres que perdem seus filhos na guerra que o atual governador não inventou, mas, com sangue nos olhos, adotou como política de Estado.

A reação ao que foi dito inicialmente se deu em forma de testemunhos de vida. De vida de jovens, e bota jovens nisso, gente de 20, 20 e poucos anos, quase ninguém com mais de 30. Ouvi histórias pungentes, baseadas em fortes laços afetivos (família, igreja, vizinhança). As falas invariavelmente terminavam com a dúvida a respeito do que fazer. A ansiedade em pessoas que estão no auge da força física, no caso, não pode estar desassociada do fato de serem negras. Segundo o Atlas da Violência de 2019, em 2017, houve mais de 65 mil homicídios no Brasil. Desse número, 55% foram de jovens de 15 a 29 anos e, nessa população (agora de acordo com o estudo “Democracia racial e homicídios de jovens negros na cidade partida”, de Daniel Cerqueira e Danilo Santa Cruz Coelho), o jovem negro tem uma probabilidade de sofrer homicídio em torno de 25% maior do que o não negro. O Atlas ainda permite observar que, das quase 5 mil mulheres assassinadas em 2017, 66% eram negras. A ansiedade dos que estavam na reunião se explica.

O que fazer? Precisamos construir uma resposta de forma coletiva. Como se faz essa construção? Conversando. Que tipo de conversa? Qualquer uma, todas, desde que feita fora das redes sociais. O dissenso e o consenso, coração de uma boa conversa, se desdobram em choro, em riso, o que requer, por fim, um abraço. Não há abraço (e olhar) sem presença física.

Tudo começa no encontro — nisso aqueles jovens negros têm dado um passo adiante e, embora não o reconheçam totalmente e sofram de ansiedade, já rascunham suas respostas. Que o exemplo se multiplique. É chegada a hora de convites para chopes, reuniões, sessões de cinema, caminhadas.

6 comentários:

Unknown disse...

Como diziam nossas avós e avôs, conversando é que se entende. Não há outra forma de achar soluções. Conversa olho no olho ainda é o melhor remédio para (quase) tudo!
Vermelho

No Osso disse...

Acredito piamente nisso, Vermelho. Obrigado pela visita.

Shirley disse...

Amigo querido, Vc descreve muito bem o que rolou. Também tenho achado muito bom esse caminho, talvez o único meses tempos tão difíceis. Que venhas observar mais vezes. Um beijo.

No Osso disse...

Aprendo tanto nesses encontros, Shirley. E acredito mesmo que ali, nas dúvidas, nos anseios, está uma resposta potencial.

Ana Zanandrea disse...

Boa pergunta...também me faço. E gostei da direção da resposta!

No Osso disse...

Oi, Ana, só vejo esse caminho, o encontro, o afeto. A resposta sairá daí. Precisamos ter boas respostas para deixar um mundo melhor para a Laurinha (e pra gente também, claro). Obrigado pela visita.