Para minha colega de trabalho Ana
Uma colega de trabalho do escritório de São Paulo me ligou. Levantou um problema, e, juntos, demos encaminhamento a uma possível solução. Despedi mandando-lhe um beijo. Ela disse então: “Alexandre, Alexandre, espere um pouco”. Daí tomou outro rumo e afirmou que, nós, do Rio, éramos mais leves, mandávamos beijos, brincávamos. Em São Paulo, ela sentia, as relações estavam muito fechadas, frias de fato. Eu disse, em tom de brincadeira, que o exemplo paulista espalhava-se por todos os cantos. Para ilustrar, contei-lhe as mudanças ocorridas na cidade em que nasci: na minha juventude, o cumprimento entre homens e mulheres se dava com três beijos (“três pra casar”), mas hoje a coisa minguara para um só beijo. Profetizei que em breve seríamos como os americanos, apertaríamos as mãos, se tanto.
Se eu estiver certo, ao aperto de mão seguirá um papo interminável e sisudo (mesmo dentro da piscina, em dia de descanso). Seremos apenas espanto, olhares furiosos, punhos fechados, rugas e disciplina. Nesse dia, o país poderá virar o jogo, tornar-se grande em todos os sentidos objetivos da grandeza (PIB estratosférico, assento nas comissões mais importantes da ONU, não sei mais quê). Nesse dia, os jovens terão o futuro dos deuses ao alcance das mãos. Nesse dia, os pobres serão uma fatia mínima da população. Nesse dia, teremos cruzado o deserto e chegado à terra da fartura. Mas nos faltarão o sorriso e o beijo de afeto. Nos faltará um pingo de nossa alegria inconsequente, carnavalizada até. Teremos sepultado o país que tanto surpreende os estrangeiros — de quem se rouba um sorriso. Nesse dia, ai, meus deuses, faça com que o Xandão seja apenas uma saudade ou, se não for muita pretensão, uns livros ainda disponíveis nalguma biblioteca ou, enfim a glória, um movimento — clandestino, se a situação exigir — pelo resgate sem fiança do sorriso sequestrado de um povo que sempre se empenhou em parecer fazer pouco caso de suas dores.
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