15.5.17

Treze quilômetros e o que veio depois





Naquele dia, como é meu costume, saí para caminhar. Um aplicativo disse que, ao voltar para casa, eu havia andado justos treze quilômetros, não tenho como negar, mas meu cansaço indicava menos.

Quando me meti, lá pela metade do trajeto, na pista Cláudio Coutinho, além de, logo na entrada, encontrar uma senhora que fazia gestos de acolhimento aos muitos que passavam, vi um sujeito, que se parecia com um amigo meu, amarrar ao redor de uma árvore pequena, de troncos finos, talvez para sustentá-la, uma ráfia ou coisa parecida. Meu amigo seria capaz de cuidar de uma árvore daquele jeito, é condizente com sua personalidade, mas não era ele, conferi mil vezes. Horas mais tarde, ao sair da sessão de cinema, quem eu encontro? Ney, esse amigo. Comento o fato, ele faz questão de dizer que não esteve pela Urca, mas concorda comigo, poderia ter cuidado de uma árvore de rua, tarefa que lhe daria prazer.

Ao longo da caminhada, portanto antes do cinema e do encontro, umas frases foram surgindo na minha cabeça, o que não é raro. Uma delas se fixou de vez e acabou sendo o início do texto que publiquei há quinze dias. Foi sob o sol de outono, entre Botafogo e Urca — ouvindo primeiro a Alice Passos (no emocionante disco no qual ela canta acompanhada exclusivamente por violonistas como Dori Caymmi e Guinga, que se alternam entre as faixas) e, depois, no piano do André Mehmari ou na coisa louca que é o Uakti, os Beatles —, que “ponhá o vestido novo, cosido enquanto cozinhava a vida em pano-maria” surgiu sabe-se lá de que grotão alexandrino. Depois de duas horas e meia, cheguei a minha casa, tomei banho, almocei um senhor risoto feito pela Beleleca e corri para o computador. Se eu disser que em meia hora a tal crônica, cuja primeira frase havia brotado na caminhada, estava pronta, não estarei mentindo. Estarei sim, pois durante vários dias fiquei trocando umas palavrinhas aqui, a posição de uma frase ali, mas o grosso saíra no jato sujo da primeira meia-hora.

É comum o escritor ficar feliz com o que escreveu, mas sou macaco velho, guardo comigo esses momentos, pois sei que são traiçoeiros. No entanto, naquele dia, esnobando a cautela, corri ao Facebook e postei que acabara de escrever um texto fofo, meigo. A linguagem que usei dá esse tom, mas o fato é que, até a publicação, fui vendo como “Passeio na praça” — título da crônica — era triste. Não me parece ensolarada, poderia ter vingado em terra fria, em dias cinza.

No momento do encontro com o Ney, acabara de assistir a “Paterson”, de Jim Jarmusch, peça de beleza mignon, típica do cineasta americano. O filme conta uma semana da vida de um motorista de ônibus que também é poeta, mas não é só isso; aliás, o fato de um motorista de ônibus ser poeta não é tratado como uma excentricidade, é coisa dada. O poeta é um escritor em estado puro, nem um pouco preocupado em chegar ao leitor, pois, ao que parece, nem mesmo a mulher conhece bem seus poemas. Mas, como eu dizia, isso não é tudo, porque o personagem, um motorista chamado Paterson, numa cidade morna chamada Paterson, é casado com Laura, uma mulher... como descrevê-la? Bela, sim, bem bonita, mas o que chama a atenção é a sua personalidade. Ainda que não se diga isso — porque de fato ninguém, muito menos ela, a reconhece como tal —, Laura, mais que Paterson, é uma artista bruta, irrequieta, sem foco. No filme, o dono de um boteco frequentado pelo motorista-poeta chama de Romeu e Julieta um casal que está sempre por ali e sempre em conflito, mas talvez Paterson e Laura coubessem melhor nas personagens, caso toda aquela tragédia shakespeariana não houvesse ocorrido, e o casal tivesse tido a chance de ser feliz pela eternidade afora. 

De dentro de um carro alguém acenou para mim, enquanto eu fazia o trajeto entre o cinema e minha casa, distância pequena que percorro a pé. Quando pude, corri novamente ao Face e, mais uma vez, de chofre, fiz um post na esperança de encontrar o dono ou a dona do adeus. Um monte de gente curtiu, alguns lamentaram não ter passado pela rua naquela hora, outros afirmaram, sem me convencer, que eram eles e houve quem, de galhofa, me perguntasse se eu estava na Bahia ou em Minas. Só mais tarde caí em mim e me perguntei: mas quem garante que era um aceno ou, caso fosse, que era pra mim?

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