1.4.19

Homens nas ruas do Rio

Com uma das mãos no bolso, coça a perna e respira fundo. A tristeza não mede esforços para se apoderar de seus sentimentos, homem. Ela é assim, sempre assim: dona da festa escura, da face incolor, do sono tolo. Mas o mar está bem ali — o sol também. Crianças correm no pátio das escolas, e gritam, e riem, e não sabem de nada. Respire, a tristeza não passa de uma coceira passageira.


Foto do autor.


Você, com essa pressa toda, já pensou se o pior for justamente chegar a tempo? Digo isso porque, das poucas coisas que me ficaram das lições de escola, uma pode não ter sido uma lição, pelo menos não uma formal. A professora do quarto ano primário (hoje, acho, quinto do ensino básico) disse para a classe que “mais vale perder um minuto na vida do que a vida em um minuto”. Autoajuda fajuta, mas... e se ela estiver certa? Contenha-se, homem, desacelere, o relógio não passa de uma frágil prisão para o tempo.

Passo por um homem que ri desbragadamente. Contagiado, sigo em frente rindo desbragadamente. Esbarro num jovem que me olha e, em vez de rir, veste a cara do espanto.

Encostado no poste, o rapaz de camisa estampada e cabelo grande preso num lenço observa os meninos que correm pelas ruas, todos com uma garrafa de plástico cujo conteúdo aspiram. O jovem — não parece rico, talvez goste de samba e toque bem tocado o tamborim, pode estar no centro para encontrar o pai, a mãe, quem sabe para comprar o material escolar —, bem, ele ao olhar os meninos loucos de solvente, começa a pensar em como tudo isso é triste. O que ele vai fazer com essa constatação ninguém sabe, é possível que se torne indiferente ao nosso fracasso. Mas talvez não.

 O senhor e a senhora conversam à espera da condução. Quer dizer, ele fala, fala muito, conta de fulano que foi traído, de sicrana que está endividada, da vizinhança que já foi sossegada e não é mais. A mulher balança a cabeça, muito raramente deixa que lhe escape um “sim”, um “não”, um “é mesmo?”. Ele acena para o 409 e, antes de entrar no ônibus, diz que foi um prazer conhecê-la. Ela dá um tchauzinho contido, e ele entende que o prazer foi todo dela.

Na rua Voluntários da Pátria, há uma leva de abandonados; são mendigos, muitos com problemas mentais. O senhor que vive na esquina da 19 de Fevereiro varre a calçada o tempo todo. Um rapaz sobe e desce a rua entre os carros e não se abala com buzinas, bicicletas ou freadas. Sentado na calçada estreita e tumultuada, um terceiro pede esmola às mesmas pessoas que obriga a andar pela rua. O que encontro aos sábados desistiu de me pedir dinheiro, mas, educado, não deixa de me cumprimentar. Além desses, a crise despejou pela rua viva e caótica uma verdadeira chuva de desesperados.

O catador de latinhas para diante da sede da Maçonaria da rua do Lavradio. Contempla sem pressa a esfinge metálica que adorna o edifício histórico. Não sei se, como é o senso comum, tenta decifrá-la, se imagina quanto ganharia com a venda da imagem derretida ou se espera por um inaudível grito de ferro que o console.

O senhor nem é tão velho, mas tem jeitão de velho. Ele anda devagar e chupa um picolé. Quando leva a boca ao picolé — e não o picolé à boca, fica vesgo.

O menino com o uniforme de escola pública e seu responsável (não arrisco a dizer que é o pai, parece tão novo) descem do ônibus. O menino diz alguma coisa, parece que externa um medo, mas pode ser que revele a incompreensão sobre um fato qualquer. O responsável larga a mão do garoto, se ajoelha diante dele e o abraça.

O policial bate o cassetete contra a palma da mão, em seguida, fecha e abre os dedos sobre o bastão. Faz isso mais uma vez. Outra. Outras tantas. O tédio usa farda.

Dois bêbados ziguezagueiam pela rua. Dois passos pra frente, dois pro lado, pro lado de cá, pro lado de lá. Pra cá quando é pra lá, pra lá quando é pra cá. Pra frente de novo. Pra trás. Opa, pra frente. Opa, pro lado. De cá? De lá? Por um triz, não caem. O mais alto para e, quase empertigado, brada: “Não disse? A terra é plana”. 

5 comentários:

Ana Flores disse...

Sensacional. Triste. Verdadeiro. Sua ótica sensível faz tudo parecer mais tudo. Beijão.

Unknown disse...

Eu, também, gosto de observar as pessoas na rua. Principalmente quem mora nelas.

Nilma Lacerda disse...

Alexandre João Antonio Brandão; Alexandre João do Rio Brandão. Meus respeitos, camaradas. Em nome de todos esses, de todos nós, obrigada.

Ivana Dzakula disse...

Também gosto de olhar as pessoas na rua e imaginar como é suas vidas. Tento perceber através de seus semblantes e de seus gestos alguma pista do que vivem ou sentem. As pessoas infelizes se movem diferente das pessoas felizes.

Dag Bandeira disse...

Que olhar atento para o mundo dos Les Misérables. Espero que você não tenha ficado triste ao acabar de ver o que viu e escrever sobre elas. Nossa realidade dói. Até esbocei um sorriso em algumas partes da crônica, mas ela ainda está doendo no meu peito.