23.12.19

Uma senhora primavera


Sou um cronista bem fajuto. Digo isso porque são raras as minhas crônicas que se rendem a alguma efeméride. Chega o dia das mães, não escrevo nada a respeito; vem o dos pais, a mesma coisa. Isso sem dizer que não fiz a crônica de ano novo e não farei a de Natal. Não sei explicar os motivos. Se houver algum psicólogo de plantão, aceito palpites, diagnósticos, conselhos e até mesmo algum remedinho.

Dito isso, esta será mais uma crônica a não celebrar o Natal, mesmo estando a dois dias da noite da ceia, da Missa do Galo e, o mais importante, da troca dos amigos ocultos. O mais importante são os presentes? Sintam, leitores, como a questão do Natal me pega de jeito. Fico tão chateado com essa imposição de dar presente que acabo me esquecendo de que o importante, o importante mesmo, é comemorar o nascimento de Jesus Cristo, aquele judeu que, tendo vindo ao mundo há 2019 anos, mudou o rumo da história.

Como não será uma crônica de Natal, qual será seu assunto?

Ah, sim, posso falar a respeito desta primavera que, pelo menos na primeira quinzena de dezembro, segurou o verão, não o deixando chegar antes da hora. Isso é uma atitude digna. O Rio de Janeiro esteve uma delícia, nem liguei o ar-condicionado para dormir. Meu bolso e meu nariz, que não ficou ressecado, agradecem.

A oposição no Brasil deveria aprender com esta primavera e espanar o calor da ignorância que tomou Brasília, que tomou o Brasil. Ora, dirão, esta primavera só está assim porque houve um El Niño ou uma La Niña ou porque as geleiras dos árticos afracaram-se todas ou porque uma borboleta bateu as asas numa floresta chinesa. Mas eu contradigo: não faltam motivos para nossa oposição esfriar o verão desse desgoverno. Aliás, não só a oposição, o que nós estamos fazendo de concreto? O engraçadinho responde: “providenciando a ceia”; mas não estou falando disso. Estou falando de jantarmos as ruas, de fazermos política com presença física. O bravão ameaçou descer o cassetete (no mínimo) em que fizer essas chilenices, equadorices, bolivianices, colombialices aqui nas terras da fartura. Estou ciente, mas, se mantivermos os braços cruzados, o verão político nos derreterá.

Por meus belos olhos, exagerei. Não escrever a crônica de Natal, paciência, mas vir com assunto tão duro e indigesto já é falta de respeito. Peço-lhes perdão. Vou escrever sobre uma coisa leve. Enquanto isso, podem continuar fritando as rabanadas ou embrulhando os presentes (compraram o meu?) ou, olha como me corrigi em três parágrafos, elevando suas preces a Cristo, razão única do Natal.


Prometi leveza, vou a ela, ainda que com alguma erudição. Vocês sabem que a referência ao fato de o bater de asas de uma borboleta na China ter a capacidade de modificar a intensidade da primavera aqui não é poesia, não sabem? É uma metáfora usada por Lorenz — um dos formuladores da teoria do caos, campo razoavelmente novo da física — para explicar o princípio de sua teoria. Em modo rasteiro, a teoria é a seguinte: “Uma pequenina mudança no início de um evento qualquer pode trazer consequências enormes e absolutamente desconhecidas no futuro[1]”. Pois bem, se vale para uma borboleta e para lugares tão distantes, China e Brasil, podemos atualizar a metáfora e torná-la mais próxima de nós. Fica assim: quando uma menina garganteia na Suécia, um beócio tonteia no Planalto Central.

Caramba, não me acerto, melhor terminar por aqui. Só mais uma coisa: de fato, hoje é o primeiro dia do verão. Esta crônica foi escrita antes, nem sei como o dia estará no instante em que estiver sendo lida. De minha parte, estando de um jeito ou de outro, ainda torcerei pela primavera; pela primavera política principalmente.



[1] “O que é a teoria do Caos?” — em https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-a-teoria-do-caos/ (pesquisado em 12/12/2019).

Nenhum comentário: