Na minha recente ida a Belo Horizonte, uma de minhas irmãs contou que, nos anos de 1960, ao instalarem o primeiro telefone na casa de meus pais – o 752, um dinossauro que, para falar em outra cidade, precisava da ajuda de telefonistas, e uma chamada de Passos ao Rio de Janeiro poderia demorar horas a fio até se completar –, mamãe disse que um dia veríamos numa tela a pessoa com quem falaríamos, ou seja, ela anteviu a chamada de vídeo. Minha irmã acredita que essas visões futuristas de dona Haydée estavam ligadas à leitura de Julio Verne. A literatura parece ter alguma utilidade, vejam só. Meu interesse não é a literatura – ainda que, vocês verão, também seja um pouco –, é ter sido alcançado pela lembrança materna ao voltar ao Rio de Janeiro.
Nossa vida está inteirinha no celular, o que é bom. Mas,
gente, inventaram bem antes dele o fone de ouvido, que, numa viagem – dentro ou
para fora da cidade –, nos ajuda a ouvir música ou áudio ou ver um filme ou
jogar esses joguinhos barulhentos sem importunar ninguém. É a coisa mais
simples do mundo. As mensagens trocadas no aplicativo, por sua vez, podem ser
escritas, não é preciso usar o áudio. Eu não preciso saber – como soube – que a
filhinha do rapaz sentado na poltrona atrás da minha estava com o pé machucado,
que assim que ele chegasse ao destino iria levá-la ao médico. Mais que isso,
que pensava em recorrer à justiça para ficar com a guarda de suas três
crianças, no momento nas mãos de uma mãe relapsa. Um drama sério, mas e meu
sono? E a leitura da moça ao lado? Foram para as cucuias. Para lá também foram
o sono, a leitura, a conversa fiada recém-iniciada por dois estranhos quando o
telefone da senhora na poltrona que o corredor separava da minha tocou numa
altura impressionante. Imagino que ela já não escute tão bem – eu mesmo perdi a
audição supimpa da juventude, o que, segundo a mamãe (de novo), seria
inevitável já que ouvia o Pink Floyd em volume doentio –, mas há meios
alternativos de saber se o celular está tocando, o famoso modo vibratório.
Enfim, é preciso respeitar o outro, pensar que o coitado não está minimamente
interessado na sua vida. Além do mais, preservar a intimidade é uma forma de se
proteger nesse mundo abarrotado de larápios.
Minha rabugice encontrou mamãe nas curvas perto de
Barbacena, cidade das flores, da aeronáutica e do terrível hospital de doentes
mentais, hoje, felizmente, fechado. Dona Haydée prezava a etiqueta, que impunha
aos filhos – tenho uma boa educação pequeno-burguesa, apesar de ter sido
rebelde. Não digo os bons modos à mesa, nem a educação superlativa que acha um
absurdo chamar os outros para comer, quando se pode chamá-los para almoçar,
lanchar ou até mesmo cear, mas uma etiquetinha nesses tempos de exposição excessiva
ao mundo virtual cairia bem.
Digo mais, podemos estender os
bons modos ao mundo literário. Não, não vou sugerir que deixem de ler na rua,
no ônibus, onde quer que seja – a leitura não incomoda ninguém. Tampouco direi
que não se deve molhar a ponta dos dedos para virar as páginas (mesmo porque
muitos leem livros eletrônicos). Por favor, leiam sempre e muito e do jeito que
quiserem. Meu assunto é com o escritor circunstancialmente simpático, aquele
que é tomado, às vésperas de um lançamento, por uma amabilidade jamais vista. Acho
normal convidar, em rede social, deus e o mundo para um evento nosso. Acho razoável
abordar com parcimônia pessoas pelo WhatsApp. Agora, enviar mensagens
particulares, forçando uma intimidade inexistente, é duro na queda. Pessoas com
quem não convivo, sem noção de tudo, já me disseram que sou o escritor/leitor
mais importante do mundo. Ô, simpático de ocasião, segura as pontas.
Para rabugentos feito eu, mamãe também teria conselhos a distribuir. Talvez dissesse: “Ao comer o pão de enxofre que o diabo furtou, mastigue de boca fechada, o cotovelo longe da mesa, o corpo ereto, os pés bem postados no chão. Não avance na comida com sofreguidão, dê-se ao paladar. Distraia-se pensando na infância, na adolescência, na sua história. Não cuide da vida alheia.” Ou seja, me orientaria a, em vez de criticar o outro, me ajeitar comigo mesmo. O fone de ouvido, citado ainda há pouco, serve para eu ouvir o velho Pink num volume confortável e me libertar do movimento dos demais passageiros do ônibus. Posso simplesmente ignorar os excessos do colega de escrita – senão perdoá-los. A ansiedade mata a gente, sei como é.
2 comentários:
E agora? Que que eu faço? Continuo te achando meu escritor/leitor mais importante do mundo 🤪
Você pode, Léo, não é circunstancial. É amigo de toda hora.
Postar um comentário