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19.4.12

Em clima ditatorial


Eu ditador


Gosto muito daquela música do Almir Sater e do Renato Teixeira que diz assim: “Ando devagar porque já tive pressa...”. É linda, mas o que é que eles dizem antes desse trecho ou depois dele? Sei lá, parece que falam em “massas e maçãs”. Este é um problema meu: não presto atenção nas letras de músicas. Tanto esforço dos letristas, e eu guardo apenas pedacinhos aqui e ali de seus trabalhos.
Sou tão abestalhado que certa vez um amigo me disse: “E esta música da bicha feita pelo Chico Buarque, hein?”  Pensei: Bicha ? Era “Geni e o Zepellin”. (Ufa!, faz tempo essa história.) Eu sabia apenas o refrão: “Joga bosta na Geni”, mas nem dava pela trágica e cômica história contada na canção.
Se vamos para o inglês, idioma que sei menos que o básico, a coisa piora. Meus amigos dizem maravilha das letras de Bob Dylan e Leonard Cohen, verdadeiras poesias. Eu, deles, canto alguns refrãos fazendo uso do falso inglês — língua dos cantores de conjunto de bailes, imortalizada por Toninho Horta numa música antiga. De Bob Dylan, gosto dos arranjos e de sua voz fanhosa. Em Leonard Cohen, além da voz e do clima que envolvem suas canções, me encanta seu poder de reduzir a alegria de qualquer cidadão. O canadense é mestre em nos fazer esquecer os iê-iê-iês do axé e assemelhados. Quando estou alegre demais, tomo duas gotas de Cohen e fico na medida. Não chego à tristeza, outra ponta dessa reta longa que liga o ponto lágrima ao ponto riso solto. Aleluia! Aleluia!
Para complicar, adoro cantarolar. Dirigindo, sempre ronrono alguma coisa. Disparo um “ando devagar porque já tive pressa” e fico em silêncio; passam alguns minutos, lanço no ar um “joga bosta na Geni” e caio em novo silêncio. Posso ainda soltar o gogó com “tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim”. No caso desse samba do Paulinho da Viola, não bastasse não sair desse trecho, canto-o de forma errada, sempre com essas palavras: “mas não despreze o samba tanto assim”.
Não me peça carona, caro colega, pois, além dos apertos de entregar sua sorte a um navalha, a trilha sonora, na voz desafinada deste que vos fala, é esse milho que pula na panela e nunca chega a pipoca.
Como o mundo, obviamente, gira em torno do meu umbigo, segue como corolário o seguinte: é preciso decretar que, a partir de hoje, as músicas não terão mais letras. Nem tudo será jazz, mas serão trocadas as zilhões de palavras das canções por simples lá-lá-lás. Isso facilita tudo. E, ainda, aumenta a segurança no trânsito, pois, para lembrar os pequenos trechos das músicas, faço um esforço tremendo, com isso me distraio e viro um risco sério a todos.
Cumpra-se.




Os outros ditadores


Sabem quem é Luiz Eduardo Rocha Paiva? Um general. Infelizmente, ao ler sua entrevista a Miriam Leitão, não me ocorreu uma cena distante — acho que da novela “Nino, o italianinho” (da finada TV Tupi), na qual Juca de Oliveira, Marcos Plonka e outros cantavam: “Chegou o general da banda, êh, êh, chegou o general da banda, êh, ah.” Não, não fiquei empacado nos refrãos que não decoro corretamente, mas sim com uma pulga atrás da orelha. O general da reserva, senhor Luiz Eduardo, duvida que nossa presidente tenha sido torturada nos porões da ditadura, pois não conhece as provas. Diz mais: ele está na reserva e pode falar, ao contrário dos que estão na ativa, mas sua opinião é a que prevalece no seio das forças armadas. Ai, ai, ai... Cucurrucucu Paloma.

Estamos num momento crítico. Este ano deverão ser nomeados os membros da Comissão da Verdade, cujo objetivo é apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988. Essa data foi definida como forma de não deixar que a apuração fique restrita ao período da ditadura militar recente, fugindo assim da resistência dos militares. Na prática, eu acho, o período sob análise será aquele que se iniciou com o golpe de 1964.
Precisamos curar algumas feridas da ditadura recente. Nossa anistia, sabemos todos, recaiu tanto sobre os que contestaram o regime ditatorial quanto sobre os que serviram a ele, porém, muitas famílias dos contestadores, até hoje, não sabem o paradeiro de seus filhos. Mais ainda: se politicamente é possível justificar essa anistia em cima do muro, sob o prisma de qualquer outro aspecto, não dá para conviver com a ideia de que assassinos, a mando do Estado, estejam soltos por aí. Inadmissível.
Se a Comissão da Verdade funcionar bem, diminuirá o constrangimento pelo qual o Brasil tem passado desde 2010, quando a Lei da Anistia foi condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Essa condenação não teve efeito prático e direto nenhum sobre nós. É uma mácula na imagem da sexta economia mundial e, com isso, uma marca indelével em cada um dos brasileiros. Pesa.